Capítulo 15 - Leonel

173 33 131
                                    

O lacaio já tinha uma opinião bem definida sobre Berenice antes mesmo dela virar a dona da casa: uma mulher dispensável.

Berenice era totalmente desnecessária. Tinha uma beleza mediana, um grau de conhecimento medíocre e sua personalidade era meramente tolerável. O patrão a achava cultíssima, mas isso era porque ele mesmo não era um homem tão brilhante quanto acreditava. Dominava assuntos de informática, mas nunca teria deixado de ser um mero técnico se não fosse o seu dom. E isso levava o lacaio a refletir sobre a ideia que sempre teve do patrão: um homem que, acomodado em seu poder, fora limitado em seus talentos.

Leonel não nutria bons sentimentos pela garota desde que a conhecera, mas não seria tolo em fazer menção disso a Miguel. Também não seria imaturo para confiar em primeiras impressões, mas quando os dois se casaram e ele passou a conviver com ela, concluiu que seriam longos os anos em que ela passaria ali.

A mulher chorava por qualquer coisa. Das esposas de Miguel que ele conhecera, ela era, certamente, a mais infantil e dramática. Nem a manipuladora Heloísa a superava, ao menos sabia se impor. Berenice era nitidamente insegura e ridiculamente carente de qualquer afeto que Miguel pudesse oferecer a ela. Para Leonel, uma mulher que poderia, facilmente, ser substituída por qualquer outra, sem que isso fizesse a menor diferença.

Mas o lacaio começou a ver a situação com outros olhos quando ela descobriu a verdade. Miguel não era tão atencioso quanto deveria ser. Seu poder o tornava destemido demais para perceber que o lacaio vira tudo do seu quarto, no térreo. Sequer percebeu que ele já tinha voltado da sua incumbência, fechando alguns dados para entregar o dinheiro cobrado ao patrão. Ouvira a gritaria do patrão ao telefone, depois a gritaria de Berenice no escritório. Quanto escândalo para tão pouco.

Foi aí que Leonel passou a notar que havia algo diferente. Berenice fizera escândalo por tempo demais. Tempo suficiente para todos os fuxiqueiros da casa ouvirem aquilo. Por que Miguel teria deixado ela sair correndo pelo jardim daquele jeito e, depois, continuado a discussão com ela lá em cima? Por que não acabou logo com aquela cena, usando seus velhos truques?

Depois, tudo se acalmou, e ele concluiu que as coisas estivessem resolvidas. Que a mulher, assim como as outras, já tivesse se perdido da realidade, entregando-se ao fascínio de poderosos olhos azuis. Isso, até ele ouvir uma conversa dos dois, discutindo acerca de como ela deveria evitar o olhar dele. Ela sabia de tudo. Ele a deixara lembrar.

O homem passou dias observando os passos do casal. Aquilo não parecia mesmo que acabaria bem, como ele já havia previsto. É claro que, depois de quatro casamentos terem terminado em um cemitério, dizer que uma forma diferente de encarar o poder do patrão estava fadada a não terminar bem parecia uma ideia bastante pessimista. Mas aonde eles chegariam com a verdade?

Em uma terça à tarde, quando Miguel ligara, avisando que chegaria em torno das 18 horas, Leonel procurou por Berenice em sua sala particular.

A moça, jogada numa poltrona, com as pernas apoiadas num banquinho diante de si, contrastava com a jovem bem vestida do dia da festa em que a conheceu. Ela estava com o cabelo preso de qualquer jeito para cima, roupas que pouco combinavam e um livro no colo, como que imersa em outro mundo.

Ele precisou pigarrear duas vezes para ser notado.

— Leonel? — ela perguntou, como se ele fosse o personagem de um livro que chamava a sua atenção, enquanto ela deixava os personagens reais em seu colo, aguardando.

— Senhora, com licença, tem um minuto?

Leonel se aproximou após um gesto afirmativo da patroa, com algo nas mãos que ela não podia distinguir.

O Programador de LembrançasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora