Capítulo 25 - Miguel

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Ambos estavam deitados na cama, quando Miguel viu a face pensativa de Berenice, deitada de barriga para cima, olhando mais uma vez para o teto.

Sua esposa tinha esse terrível hábito de se ausentar em seus devaneios, o que enchia Miguel de curiosidade e certo temor. Ela poderia estar pensando em tantas coisas, ou mesmo em nada, mas o fato era que ele não tinha acesso a isso, o que o atormentava.

Cansado de especular, Miguel se virou para ela, apoiando o cotovelo no travesseiro e encaixando a cabeça na mão.

— Diga, em que a minha princesa tanto pensa?

Berenice virou-se para ele, como se não soubesse que ele esteve o tempo todo ali ao seu lado, deixando Miguel um pouco nervoso com isso. Onde diabos sua mulher estava?

— Você faria uma coisa por mim, Miguel? — Aquela era a voz doce de quem iria pedir o mundo todo. — Quero dizer, se eu te pedisse uma coisa, você faria para me agradar?

Miguel estreitou os olhos, fitando-a desconfiado. A última vez que uma mulher perguntou isso a ele, quase o levou a falência. Ele, um homem quase bilionário. Só não levou porque ele a havia dissuadido que seu pedido podia ser facilmente substituído por algo menor.

— O quê? — ele perguntou, por fim, sabendo, pela experiência de ter casado com cinco mulheres, que nunca devia dar uma carta branca a elas.

— Você devolveria o dinheiro que aquele americano perdeu? — ela perguntou, demonstrando a ciência da sua ousadia ao segurar firmemente o lençol que os cobria.

— E por que diabos eu faria isso? — Miguel esbravejou, certo de que aquele pedido não passava de uma brincadeira tola.

— Porque isso seria justo. Porque não foi culpa dele aquela falência. Você não destruiu uma única vida, destruiu a vida de muitas pessoas com isso, todos os funcionários daquela empresa, suas famílias. Além disso, — ela completou, tentando mudar de tática, vendo que ele parecia irredutível — eu não sei quanto tempo vou conseguir me manter casada com um homem que não é capaz de um único gesto de bondade, de compaixão pelas pessoas.

— Esqueça, Berenice! — exigiu Miguel, mal podendo se conter. — Esse homem não vai receber nada de mim. Eu não tenho razão nenhuma para devolver dinheiro algum para ele.

— Claro! — respondeu Berenice, com uma coragem que sabia que não tinha. — Por que que você se importaria em fazer com que eu o admire e me orgulhe de você? Não tem importância nenhuma mesmo.

E se virou para o outro lado da cama, derramando suas últimas esperanças de poder voltar a confiar no marido através de lágrimas no travesseiro.

Miguel olhava para aquela cena, estarrecido. Quando a tímida Berenice havia se tornado tão segura de si para exigir uma prova de amor como aquela?

Farto de ter que se equilibrar o tempo todo no abismo que ela criava entre eles, ele a virou de volta para si bruscamente, tão transtornado que impediu que ela sequer resistisse.

— Eu devolvo o maldito dinheiro se você me prometer nunca mais falar na porcaria daquele gringo! — ele grunhiu entredentes.

— Eu não me importo com ele, Miguel — declarou, olhando fixamente para ele, na coragem que só suas lágrimas traziam. — Eu não sei nada a respeito dele. Não sei se ele é um crápula, um homem mau que não merecia nada, ou se era um santo. Mas eu sei que ele perdeu tudo o que tinha por sua causa e que eu preciso desesperadamente que você me prove que há algo de bom em você. Que você não é só isso o que demonstra, que tem piedade de alguém, que seria capaz de um gesto de amor.

O silêncio após aquelas palavras fez com que tudo ficasse insuportavelmente instável ao redor deles.

— Por favor, — suplicou — eu nunca pedi nada a você. Faça isso por mim.

Miguel trincava os dentes, sabendo que logo os quebraria se continuasse assim. Apesar do orgulho e do ciúme, o que sua esposa pedia não era algo tão grande assim. Na verdade, era extremamente simples satisfazer seu desejo. E, de fato, desde que se casaram, ela não havia pedido nada a ele.

— Está bem — concordou, a contragosto. — Eu posso devolver o dinheiro. Deposito amanhã na conta dele.

— Não. — Berenice sentou-se na cama, ciente do quanto estava brincando com a sorte. — Ele não vai aceitar. Ele o tem como um santo, você o convenceu de que nada do que aconteceu é sua culpa, fez ele acreditar que você é tão vítima quanto ele. Se você simplesmente colocar esse dinheiro na conta dele, ele vai transferir de volta para você.

— E o que você quer que eu faça? — Miguel sibilou, segurando-se ao máximo para não perder completamente a paciência.

— Deixe que eu entregue pessoalmente o dinheiro — ela pediu, já não se importando mais com os seus batimentos cardíacos acelerados, nem com as veias saltadas no pescoço do marido. Agora, iria até o fim.

— Nem pensar! — vociferou, fazendo um último esforço para não hipnotizá-la e fazê-la se esquecer daquele maldito dia em que ela presenciou a queda do estrangeiro. — Se ele não quiser o dinheiro, o problema é dele!

— Não, Miguel, você sabe tanto quanto eu que ele não vai aceitar. Fazer desse jeito as coisas não vai significar nada para mim!

— Então por que você tem que ir? Por que não deixa eu mandar Leonel?

— Porque Leonel faz tudo o que você quer! — ela rebateu, pensando na história da caixa, que ele simplesmente apagara da mente do lacaio. — Ou pensa que eu não sei que você faz o que quer com a cabeça daquele pobre homem?

Miguel pensou em se defender, mas, de fato, já havia manipulado muito a mente de Leonel.

— Eu vou, e não há nada que você possa fazer para me impedir — ela declarou, sabendo estar assinando sua sentença de morte, mas não retrocedeu. Ao que tudo indicava, se as coisas continuassem daquele jeito, a morte viria mesmo atrás dela, com ou sem a sua assinatura.

Miguel, então, segurou com firmeza o punho dela, olhando-a diretamente nos olhos.

— Você que não ouse sair dessa casa — ele ia começar, mas a viu fechando os olhos no último instante, sendo esta a gota d'água para que sua ira explodisse.

— Berenice! — gritou, fazendo-a abrir novamente os olhos.

O que ele viu, porém, o paralisou. Viu nela um medo que nenhuma esposa jamais havia sentido dele. Era como se ele estivesse matando a alma dela de fora para dentro, e isso o feriu terrivelmente.

Temendo que sua raiva o levasse a fazer mais coisas das quais depois se arrependeria, ele soltou o braço dela bruscamente, deixando-a sozinha no quarto.

Estava muito claro que a conversa já tinha acabado, mas o assunto entre os dois ainda estava tão em aberto quanto os olhos de Berenice, ao ver o marido deixar o quarto, possesso.

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*** Mais um capítulo no ar!!!

Berenice foi cutucar onça com vara curta e acabou quase tendo a mão engolida! O que será que deu na nossa personagem para propôr algo desse tipo para o homem que ela tem descoberto cada vez mais perigoso?

O que vai ser do nosso casalzinho a partir disso, hein? Palpites?


NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

Algo que Gabrielle esperava há tempos acontece, mas não pensou que seria tão difícil quando esse dia chegasse! Talvez, ainda tenha um longo caminho pela frente para alcançar sua felicidade...

Ela te espera no próximo capítulo! ***

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