Capítulo 14 - Miguel

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Os dias que se seguiram foram de silêncio sobre o assunto. A despeito de tudo o que precisava ser dito, ambos deixaram que a questão do hipnotismo fosse praticamente esquecida.

O que faltou em palavras sobre isso, porém, foi bem compensado de outras maneiras. Os dois começaram a passar muito mais tempo juntos do que antes.

Miguel estendia um pouco suas manhãs na cama, mesmo depois de Berenice acordar. Ficavam abraçados, como se o dia os pudesse esperar.

Por levantarem juntos, começaram a tomar o café da manhã juntos, conversando amenidades sobre política, economia, entretenimento, como se fossem um jornal, atualizando as notícias do dia. Ambos tinham um bom nível intelectual, e eram relaxantes as suas discussões culturais.

Miguel teve que frequentar mais a empresa, mas, nas tardes em que trabalhou em casa, recebeu a grata surpresa de Berenice procurá-lo no escritório, apenas para trazer algo para que ele comesse, sendo esta dissuadida a ficar sentada ao seu lado, enquanto ele tentava lhe explicar um pouco do que fazia. Ele não tinha bons motivos para ensiná-la, nem ela para aprender, mas os dois se satisfaziam tanto na companhia um do outro, que combinação binária pareceu um ótimo pretexto.

À noite, os dois revezavam algum programa. Ou jantavam fora, ou iam a uma boate, ou ficavam assistindo algum filme sem importância deitados na cama. Tudo sempre terminava em uma boa noite de amor.

Como Miguel parou de tentar esconder, Berenice chegou a testemunhá-lo, uma ou duas vezes, convencendo pessoas a fazer o que ele quisesse. Mesmo sabendo de tudo, ela ainda se chocava ao vê-lo fazendo isso, como quando o flagrou conversando com um investidor certa tarde, convencendo-o a patrocinar com dois milhões de reais a nova edição de um software que acabara de ser criado. Era assustadora a forma confiante com que ele falava, em uma voz mansa de quem simplesmente tem a razão. O problema era que ele não tinha.

O assunto voltou a estar no meio deles num momento extremamente difícil. O avô de Berenice falecera.

Uma carta da tia foi tudo o que ela recebeu. Nem mesmo sua mãe se dera ao trabalho de contar a ela sobre a forma como o idoso havia morrido.

Berenice tinha o avô em mais alta estima do que todos com quem conviveu, antes de Miguel. Enquanto ela era a filha pouco talentosa e sem atributos físicos que pudessem lhe garantir um bom casamento para a mãe, para o seu Agenor, ela era um ser humano. Ela sempre soubera que seu nascimento não tinha sido desejado, e não seria exagero dizer que devia sua existência àquele senhor que, agora, dormiria eternamente a sete palmos da terra. Ela não passaria de mais um número nos muitos casos de aborto, se ele não tivesse convencido a filha de que poderia e deveria ter aquela criança. Graças ao querido avô, ela estava ali.

Berenice partiu cada parte do coração de Miguel com aquele choro convulsivo sobre o caixão do homem. Uma mistura de vários sentimentos travou a garganta dele, sem que ele pudesse dizer nada que aliviasse a dor dela. Sua esposa tivera uma infância difícil, com um longo histórico de rejeição, e seu caráter e inteligência brilhantes só podiam ser atribuídos àquele homem que ele nem chegara a conhecer. Seu Agenor vivia com o filho e a nora em outra cidade há seis anos, de modo que não pôde estar no casamento da neta. Era terrível para Berenice ter que reencontrá-lo assim.

Miguel também não pôde evitar se lembrar da dor daquele tipo de perda. Algo irrevogável e inegociável como a morte. Se ela ao menos fosse um ser humano, olharia em seus olhos e a convenceria a jamais levar certos tipos de pessoa. Além disso, haviam as inevitáveis perguntas que essas circunstâncias traziam: alguém choraria sua morte? Alguém se importaria? Seu poder se manteria na mente das pessoas que manipulara?

Ele também viu o olhar de revolta de Berenice sobre si, ao ver que sua mãe o abraçava, ao invés da própria filha. Odiou-se por ter usado a mulher daquele jeito, obtendo um carinho e um afeto que ela jamais dispensara a filha. Sabia que não poderia, agora, reparar aquilo, ordenando que ela demonstrasse algum amor a Berenice, uma vez que ela saberia exatamente a fonte daquilo tudo. Tudo o que pôde fazer foi convencer a senhora a não dirigir mais a palavra, nem a atenção a ele.

Berenice chegou baqueada em casa. Seus olhos estavam tão inchados do choro, que mal conseguia mantê-los totalmente abertos. Uma dor sufocante a dominava, atingindo Miguel também.

Ao vê-la tão vulnerável e frágil sobre a cama, ele teve vontade de curá-la. De tirar da sua amada a dor que nunca pôde tirar de si mesmo. Sentou-se ao seu lado, pensando se deveria abraçá-la. Não sabia o que se passava na mente dela naquele momento.

Ela ainda chorava inconsoladamente. Achou que não sobreviveria a uma dor como aquela. Nunca perdera nada tão importante, não por ter tido a sorte de ter tudo, mas por ter tido a sina de nunca ter nada. Com a voz embargada, tomou fôlego e olhou para Miguel.

— Você pode fazer isso passar? — ela perguntou, com uma súplica nas palavras que nem o mais cruel homem seria capaz de recusar.

— Claro — ele disse, expirando de alívio por ela ter mencionado aquilo. Não suportaria vê-la naquele estado nem mais um minuto.

Miguel, então, passou a mão nos cabelos e no rosto dela, oferecendo seu amor antes do seu poder, sem saber o quanto o primeiro era ainda mais forte do que o segundo.

Ela apertou com força os olhos, deitando a cabeça na mão dele.

— Então me ajuda, Miguel, me ajuda, por favor — ela implorava, pressionando a mão dele sobre seu rosto, abrindo apenas uma fresta dos olhos.

Ele, então, deitou-a de costas na cama, apoiando o pescoço dela em seu antebraço. Com a outra mão, secou os olhos dela com a delicadeza de quem ama, mas com a firmeza de quem tem urgência, forçando, em seguida, a abertura deles com seu indicador e o polegar e pousando seus olhos como um bálsamo para uma ferida.

— Você não sente mais dor, minha querida — ele disse, com suavidade, tendo os olhos dela, de repente, vidrados nos seus. — Você só consegue se lembrar dos momentos bons que viveu com o seu avô. Você se sente alegre por ter podido conviver com ele, por tê-lo conhecido. Seu coração já está cicatrizado dessa ferida e você não quer mais chorar. Quer viver plenamente e vai viver assim.

Berenice sorriu ao ouvir aquelas palavras dentro de sua mente. Embora procurasse, não encontrou mais a fonte incessável daquele sofrimento. Estava estranhamente feliz, nos braços do único que ousava confiar, atrevendo-se a manter seus olhos sobre o controle dos dele, mesmo quando ele parou de falar.

— Obrigada.

Ele, por sua vez, sentiu uma alegria invadi-lo como nunca em sua vida. Sempre usara seu poder para seu próprio interesse, e não podia negar que ele queria mais do que tudo cessar a dor da sua mulher; mas, poder ser usado para trazer cura, ao invés de sofrimento, assim como uma droga de abuso sendo usada nas mãos de um profissional em uma dose e em um contexto adequados, era algo que não havia ainda experimentado. Decidira que, com ela, seria sempre assim.


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*** Olá, querido (a) leitor (a)!!!

Com um pequeno atraso, aqui estou com mais um capítulo de revelações para nós.

Esse foi um momento bastante tenso para os nossos personagens. Berenice perdeu um ente muito querido, e essa circunstância trouxe duras lembranças a Miguel. O amor e a confiança, porém, fizeram com que fossem capazes de atravessar essa difícil provação.

E aí, depois do que viram hoje, será que Miguel tem salvação?


NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

Tem alguém de olho no nosso casalzinho, pronto para entrar em ação. Sua intervenção, porém, mudará completamente o rumo dessa história.

Bem, eu não ia dizer nada, mas se eu fosse você, não perdia o próximo capítulo, não! ^^

Beijinhos!!! ***

O Programador de LembrançasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora