Capítulo 12 - Berenice

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Berenice deteve-se no portão da mansão. Sabia que poderia sair a qualquer momento dali, mas estava com muito medo do que viria depois. Podia sentir que seu sonho tinha acabado.

Era óbvio que aquela felicidade não duraria para sempre. Que ideia achar que ela tinha o direito de ser feliz! Mas, ao invés de sair de lá, agarrou-se ao portão, querendo acreditar que poderia ficar com Miguel. Fingir que não vira, nem ouvira nada, e que tudo ficaria exatamente como está. Não queria saber quem realmente ele era. Preferia continuar acreditando na mentira de que era apenas um homem apaixonado por ela.

Ela não percebeu quando o segurança, que a olhava desconfiado, saiu a pedido do patrão. Miguel estava ali, bem atrás dela.

— Berenice, eu tenho que te falar uma coisa — Miguel insistiu. Se tinha que ser rejeitado, que fosse pelo menos por uma boa razão.

— Eu não quero ouvir — ela respondeu, fechando os olhos com força e segurando ainda mais apertado as barras de metal. Se ele soubesse que ela preferia a morte a saber que o único amor que tivera, na verdade, era uma farsa, talvez entendesse aquela reação.

— Berenice! — ele a chamou, fazendo com que ela se virasse, ao puxar um braço, até os dedos soltarem o portão.

O que ele viu era de partir o coração. Uma mulher de 28 anos, frágil e temerosa como uma criança desamparada. Tristes lágrimas num rosto contrito. Por que, céus, ela estava daquele jeito? Seria possível que ela já soubesse de tudo?

— Por favor, Miguel — ela implorava, agora agarrando-se a sua camisa como uma boia num náufrago — Não acabe com isso. Não me importa saber por que você está comigo, apenas fique ao meu lado, não me deixe.

Berenice sentia-se afogando num mar de incertezas. Sabia o quanto estava soando trágica, mas a ideia de voltar para casa, de ser abandonada novamente naquele lar sem amor, de nunca mais ter coragem de sonhar, a fazia querer se prender àquele homem de qualquer maneira.

Miguel a segurava, certo de que aquela mulher tinha perdido a razão muito antes da hora.

— Do que você está falando? Você é a minha mulher, e você sabe muito bem por que estou com você.

— Então, não diga que não é o que eu penso. — Ela enterrou seu rosto no peito dele. — Penso que você é o meu porto, meu descanso, minha vida. Não tire isso de mim, por favor.

— Berenice, eu não sou um homem normal, é isso o que eu queria te dizer.

Miguel puxou suavemente sua mão para levá-la de volta para casa. Não queria ter que fazer outra "encenação" para reprogramar a mente dos empregados quanto àquela conversa que teria com a mulher. Ela aceitou, sem nenhuma relutância. Talvez, ele não fosse dar um fim ao seu sonho, mas àquele pesadelo que ela criava em sua mente.

— Eu hipnotizo as pessoas — ele declarou, após estar a sós com uma Berenice um pouco mais calma diante de si. — Sou um programador de lembranças.

Ela o fitava, desconfiada. Pensava que ele estivesse falando numa espécie de código que não podia compreender.

— Eu posso convencer uma pessoa de absolutamente qualquer coisa — explicou, olhando-a seriamente.

— Convencer como? — Ela parecia mais curiosa do que com medo.

— Posso te convencer, por exemplo, que está usando roupas masculinas nesse exato momento.

Ela o olhou, cética. Ele só podia estar brincando. Tentando, provavelmente, ganhar algum tempo, mas para quê?

Miguel, então, pegou seu celular e começou a gravar os dois.

— Diga, Berenice, exatamente o que está vestindo.

Berenice olhou para a câmera do celular, depois para ele de novo. Piscou algumas vezes, esperando para saber se aquilo era mesmo sério. Por fim, como não tinha mesmo nada a perder, se rendeu.

— Estou usando uma blusa branca de alça, com algumas rendas, e uma calça preta de algodão, com desenhos de âncoras. E chinelos brancos.

Miguel se aproximou dela, ainda gravando a cena, e colocou uma das mãos em sua nuca.

— Você disse que está vestindo camisa e uma calça social, uma gravata e sapatos pretos com cadarços — afirmou aos olhos dela.

— Sim, foi isso o que eu disse. Aonde você quer chegar, Miguel?

— Por que, minha querida, você está usando minhas roupas?

— Ora, não sei, porque... — ia respondendo Berenice, quando olhou para as próprias roupas, confusa. — O quê?

Sim, ela estava com as roupas de Miguel, mas de repente estava com as peças que escolhera pela manhã. Como aquilo era possível?

— Agora, veja isso — Ele salvou o vídeo, mostrando-o, a seguir, para ela.

— Não é possível — ela declarou, vendo aquela cena várias vezes, sem conseguir acreditar. — Isso é um truque? Como você fez isso?

— Eu sempre tive esse dom. Ou maldição, como preferir. — Miguel deu de ombros, mas tricava os dentes à medida em que a olhava com expectativa.

— Ah, Miguel... — Ela soltou o ar, deixando o celular de lado. Aquilo não fazia sentido algum, mas, de alguma forma, a tranquilizou. Pela primeira vez, a questão não era ela.

— Bem, não foi à toa que sua mãe me adorou. Não que eu não estivesse disposto a me pintar de ouro, como você disse, caso eu não pudesse usar desses artifícios para convencê-la — brincou, recebendo um olhar recriminador dela.

— Fez isso com a minha mãe?

— E como você acha que a convenci de me casar com você? Eu sou um canalha — ele respondeu, dando de ombros mais uma vez, como se aquilo fosse a coisa mais óbvia a seu respeito.

Berenice sentou-se na cama, olhando para o nada, tentando Miguel a perguntar em que ela pensava. Era a vez dele sentir medo.

Agora a verdade estava ali, diante dela. O que ela faria com aquilo, ele não podia prever. Ele temia que aquele sonho de felicidade fosse destruído tanto quanto ela, mas também não estava disposto a vê-la partir.

— Me enganou sobre o que sentia por mim também? — Ela reuniu a coragem para perguntar num sussurro, sem conseguir olhar para ele.

— Não! — ele afirmou, veementemente.

Um calafrio percorreu o corpo dele, em choque. Aquela era a última pergunta que ele esperava depois de ela saber de tudo. Mas, também, era a única que ele não teria dúvidas em responder.

Ele, então, apoiou um joelho ao lado dela na cama e aninhou seu rosto em sua mão, fazendo com que ela olhasse para ele. Fixou, porém, seus olhos em um ponto acima dos olhos dela, para não usar dos seus meios para declarar seus reais sentimentos.

— Eu realmente amo você, Berenice. Você não tem o direito de pensar nisso. Não depois da felicidade que encontramos.

E, contra todos os temores e expectativas daquela revelação, Berenice o surpreendeu ao se levantar e o abraçar com força, como se seu segredo não fosse tão importante assim. Como se o mais importante de tudo, no final, fosse a realidade do seu amor.

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*** E aí, chuchus? Como estão?

Finalmente, Berenice descobriu toda a verdade sobre o poder de Miguel. O Programador já havia revelado seus poderes para todas as outras mulheres, mas reprogramou suas memórias para que nunca se lembrassem de nada A única mulher, no entanto, que ele resolveu deixar incólume, reagiu assim, de forma imprevisível, e isso está deixando o poderoso homem doidinho... (já estava na hora de alguém fazer isso com ele, não acham?)


NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

Haverá um confronto, e Miguel terá que explicar para Berenice mais do que sobre o seu poder... Terá que dizer por que ela está sendo mantida sã. E aí, qual é a sua aposta?

Nos vemos lá! ***

O Programador de LembrançasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora