Capítulo 27 - Berenice

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Berenice acordou na manhã seguinte sozinha no enorme cômodo. Teve ciência de quando Miguel voltara para a cama no meio da noite, mas, diferente do que estava acostumada a fazer, não se virou para dormir nos braços dele. Ao invés disso, cobriu-se ainda mais, deixando-o também ciente de que o que se passara há poucas horas não fora esquecido.

Ao virar-se, agora, para o lado dele, surpreendeu-se ao ver uma rosa e alguns papéis sobre os lençóis desarrumados. Sentando-se na cama, colocou a rosa de lado e viu que os papéis de cima eram bilhetes impressos anunciando que o jatinho particular de Miguel estava reservado para ir aos EUA às duas da tarde daquele mesmo dia, e retornar ao Brasil, às onze e meia, dois dias depois. Havia, também, um comprovante de agendamento de uma transferência bancária no valor de 17 milhões de dólares da conta de Miguel para a conta de Christian McDill, e um bilhete escrito com a letra cursiva do marido.

Que isso lhe mostre o seu valor para mim.

Não me peça outra prova.

E é bom voltar com excelente humor para os meus braços

depois de amanhã.

Berenice sorriu, vendo a centelha de esperança ressurgir em seu coração com aquele gesto. Se isso não provava que Miguel tinha um bom coração enterrado em algum lugar no peito, ao menos provava que ela tinha algum valor para ele.

Vestindo uma de suas melhores roupas, uma camisa violeta com uma saia branca rodada que Miguel adorava, Berenice desceu correndo as escadas, em busca do marido, para poder lhe agradecer.

Ao chegar à mesa de café da manhã, perguntou aos empregados onde ele estava.

— O senhor Miguel saiu logo cedo, dona Berenice — respondeu Leonel, surgindo atrás dela. — Disse que voltará no fim do dia.

Berenice sentiu-se desapontada por não ter podido lhe dar um único abraço, depois da congelante noite entre eles.

— Leonel, eu vou viajar hoje, será que você poderia me levar ao aeroporto? — perguntou, depois de se conformar com a ideia de que não veria o marido pelos dois próximos dias.

— Eu sei da sua viagem, senhora, eu mesmo providenciei seu voo para as quatorze horas. Eu irei junto com a senhora para a empresa do senhor McDill.

Berenice ficou surpresa, mas não soube dizer por quê. Era óbvio que Miguel não a deixaria viajar sozinha.

Organizou rapidamente uma mala e saiu com Leonel, depois do almoço, para o aeroporto.

Sem trocarem nenhuma palavra que não fosse estritamente necessária e profissional, Berenice se corroía por dentro, desejando que Leonel lhe revelasse qualquer coisa que pudesse esclarecer todo o mistério que envolvia o passado de Miguel. Era óbvio, porém, que Miguel o teria "programado" para não deixar escapar mais nenhuma informação.

Respirando fundo, ela sentou-se na poltrona ao lado do lacaio, limpando um pouco a garganta para falar, visto que esteve muda há várias horas.

— Você já viajou para muitos lugares com Miguel, não é?

Leonel pareceu se assustar um pouco com a pergunta repentina, mas imediatamente se recompôs.

— Sim — respondeu, olhando novamente para a TV à sua frente.

— E você já visitou a empresa do senhor McDill? — ela prosseguiu, sabendo que a viagem demoraria muito mais se eles fossem calados até o destino.

— Sei como chegaremos lá, se é isso que a senhora quer saber. — A formalidade dele estava testando a sua paciência.

— Não, na verdade, não é isso que eu quero saber — bufou. — Eu sei que você encontraria qualquer lugar, você é muito eficiente. Não é à toa que Miguel confia tanto em você.

Ela o sondou por um minuto, satisfeita por ver um traço de realização e certa soberba atravessar o rosto do lacaio, ainda que só por um instante.

— O que eu quero é que você me fale do senhor Christian. Se chegou a conversar com ele, como Miguel o conheceu, o que sabe sobre...

— Senhora, — interrompeu Leonel, olhando agora para ela — essas transações comerciais são tratadas diretamente pelo senhor Miguel. Acho que seria mais adequado que a senhora perguntasse isso diretamente a ele.

— Sim, mas o que custa você...

— Sinto muito, senhora Lontano, mas não devo conversar com a senhora sobre nenhum assunto nessa viagem. O senhor Miguel deixou bem claro que minha única missão é levá-la ao seu destino e trazê-la em segurança.

Leonel, então, voltou a olhar para o banco, como se o comercial de amaciantes fosse imperdível, e a patroa estivesse interrompendo seu entretenimento.

Berenice suspirou, indignada por Miguel ter tomado a mente de Leonel daquela forma, transformando-o em um robô, apenas para que ele não revelasse o tenebroso passado que parecia envolver a vida do patrão.

Ao chegarem aos EUA, ambos foram de táxi a um hotel de luxo que Leonel havia reservado. Os dois passaram a noite no hotel, em quartos e andares bem separados.

Ao despertar, Berenice colocou seu tailleur preto com risca de giz e uma meia fina por baixo na saia. Ela pensava ter que parecer uma empresária para entrar num lugar como aquele, sem saber que apenas seu sobrenome poderia lhe abrir as portas do mundo.


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*** E aí, minha gente, quem achou muito romântico o gesto de Miguel de, além de devolver o dinheiro ao gringo, deixar Berenice entregá-lo pessoalmente? Parece uma bela prova de amor, confiança e interesse em resolver de vez as coisas com a esposa, não?

Agora, de Leonel, pelo visto, Berenice não conseguirá tirar mais nada... Mas será que há mais coisas que precisa descobrir? Será que um homem disposto a se redimir de forma tão contundente ainda merece ser investigado da mesma forma?


NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

É hora de Berenice e Gabrielle se encontrarem novamente, agora em circunstâncias muito diferentes das da festa em que tudo começou. E, se Leonel parece não ter mais nada a dizer que possa abalar o casamento de Miguel e Berenice, Gabrielle ainda tem um segredo que pode acabar de vez com todos os sonhos do casal... ***

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