Capítulo 23 - Berenice

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— Sim, senhora, o que deseja? — o lacaio perguntou, assumindo um tom conspiratório.

— Soube que Miguel só voltará mais tarde para casa, então eu gostaria de saber se ... — Berenice embaralhava as palavras, sentindo o coração se acelerar por imaginar, mais uma vez, se aquilo não seria uma traição ao marido. — Será que você não podia me mostrar mais uma vez aquela caixa? Eu não consegui terminar de vê-la naquele dia.

Leonel congelou seu olhar sobre a patroa, abrindo ligeiramente os lábios, como que se confabulasse em segredo, mas quisesse manter sua postura.

— É muito importante — ela acrescentou, vendo que ele não fazia menção de se mover.

— Aquela caixa. A senhora gostaria de ver de novo aquela caixa — o lacaio repetia, como se o pedido dela fosse difícil demais de se assimilar, numa diligência de quem está acostumado a servir alguém rígido, que não explica mais de uma vez as coisas.

— Sim, Leonel, aquela caixa dos registros — ela confirmou, imaginando se ele não estaria disfarçando para algum ouvido curioso que houvesse detectado. — Os registros de contabilidade...

Leonel pareceu, finalmente, compreender, sinalizando para que ela o seguisse.

Berenice o acompanhava, observando confusa, quando ele, ao invés de ir em direção ao próprio quarto, a conduzia escada acima, em direção ao escritório de Miguel. Talvez ele quisesse lhe dizer alguma coisa longe dos ouvidos dos demais. Ou, talvez, tivesse mudado seu esconderijo.

Chegando lá, ele fechou a porta e começou a mexer em umas pastas rigorosamente organizadas por data e assunto.

— Aqui estão, todos os registros. Os que a senhora procura seriam... — As mãos dele estavam posicionadas para pegar qualquer uma das pastas na estante, como se o pedido dela houvesse, por um momento, fugido de sua mente, aguardando que ela confirmasse, ou melhor, revelasse, o que afinal queria.

— Leonel, estou falando daqueles outros registros — ela disse, impaciente, perguntando-se o que estaria havendo com o lacaio. — Os que estavam em seu quarto.

Leonel a fitou, ligeiramente transtornado. Ele era um excelente funcionário, guardando muito bem as próprias emoções para servir da forma mais profissional aos patrões, mas ela pôde captar em seu olhar algo como a surpresa de uma traição.

— Me desculpe, senhora, não sei que tipo de registros a senhora está falando. — Leonel assumiu novamente sua expressão solícita. — Não guardo esse tipo de informações em meus aposentos.

Berenice olhou, mais uma vez, à sua volta, certa de que ele estava lhe falando em códigos para proteger aquele segredo, mas não havia a sombra de ninguém ali por perto, e o homem não a teria chamado para conversarem em particular sobre isso no escritório, se soubesse que aquela conversa poderia estar sendo, de alguma forma, monitorada pelo patrão.

Ela então, aproximando-se ousadamente do empregado, falou de uma forma que só ele ouviria.

— Leonel, por favor, sabe do que estou falando. Se achar arriscado que eu veja de novo aqueles cadernos, é só me dizer, posso vê-los depois.

— Senhora, peço que me perdoe, mas eu realmente não sei do que a senhora está falando — ele confessou, no mesmo tom que ela, parecendo impaciente e, de certa forma, desesperado por não conseguir atender ao pedido da patroa. — Ficarei muito feliz em lhe mostrar o que quer, mas precisa ser mais específica. Que cadernos são esses? Do que se tratam?

Berenice, então, o encarou, assombrada. Miguel havia descoberto sua invasão. Havia feito Leonel confessar tudo e, depois, ele o fizera se esquecer das provas que ele mesmo havia coletado. Agora, tudo aquilo estaria perdido para sempre.

— Talvez eu possa ajudá-la a encontrar o que deseja — Leonel insistia, alheio à descoberta de Berenice, tentando, a todo custo parecer útil. — Se a senhora puder me dizer como eram esses cadernos, onde os viu da última vez...

Vendo que a patroa não respondia, o lacaio decidiu ir mais além.

— Sei que a senhora deve ter se confundido ao mencionar meus aposentos, pois não guardo nenhum documento do senhor Miguel lá, não tenho essa autorização. Tudo o que tem lá é conteúdo estritamente particular. — Berenice detectou um leve tom de ameaça, revelando o ressentimento do empregado.

— Sim, Leonel, eu me confundi — conseguiu responder, não acreditando como demorara tanto para obter as informações da última esposa, por confiar em Miguel. — Claro que não estariam nas suas coisas. Acho que vou pedir para o Miguel, ele deve ter guardado com ele. Eram umas informações pessoais dele.

— Bem, certamente que as coisas pessoais do senhor Miguel não estariam em minha posse, ou mesmo acessíveis a mim — ele continuou, ainda na defensiva.

— Sim, me desculpe, Leonel, não queria ter tomado o seu tempo.

— Estou a seu serviço, senhora — ele concluiu, fazendo uma leve mesura, antes de deixá-la sozinha no escritório.

Onde estariam agora aquelas coisas, se é que já não tinham sido destruídas, era o que Berenice se perguntava, olhando para as organizadas pastas na prateleira e imaginando por onde começar.

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*** E aí, meu povo, como estão?

Xiii... Pelo visto, Berenice não poderá contar mais com o lacaio para descobrir o passado da mansão e a vida da última esposa de Miguel...

Precisará agora de sangue frio e toda a sorte do mundo para encontrar os cadernos de Heloísa, antes que o marido apague suas últimas lembranças...


NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

Em meio à sua busca, Berenice encontra um objeto nas coisas de Miguel, e será confrontada pelo próprio Programador. Sairá ilesa dessa confronto? Só conferindo para ver... ^^ ***

O Programador de LembrançasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora