Capítulo Trinta e Quatro

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Dores. Em todas as partes. O que está acontecendo? Não vejo nada. Minhas pálpebras estão muito pesadas. Não consigo erguê-las. Tento me mexer. Mas parece que não estou nesse mundo. Será que morri?

As dores estão confundindo meu pensamento. Estou perdida na minha própria mente. Então, as dores passam. Meus olhos se abrem. Não estou em lugar nenhum. Literalmente. Estou numa total imensidão escura. Sozinha. Sem saber o que fazer.

Olho em volta. Não tem nada. Absolutamente nada. Começo a caminhar para frente. Não sei o que estou fazendo. Só sei que estou com medo. Devo estar morta. O impacto do monstro no chão deve ter me afetado gravemente. Devo estar no chão, sem vida, nesse momento. De repente, piso em algo. Olho para onde pisei. Vejo uma chave dourada. Eu agacho e a pego.

O que uma chave faz no meio do nada?

Então, algo me atrai a atenção. Um pouco mais à frente, tem algo flutuando. Alguma coisa que não consigo identificar daqui. Caminho com passos pequenos até a coisa. Assim que me aproximo bastante, vejo que é uma maçaneta dourada. Eu tento pegá-la, mas parece que está presa no ar.

Ergo a chave. Encaixo-a na fechadura e giro. Ouço um barulho de "track". Então, giro a maçaneta e empurro para frente. Uma grande parte do preto vai para frente, como uma porta invisível. Mas após essa "porta" há uma sala pequena com o papel de parede florido. Entro na sala e a porta se fecha e se transforma numa parede da casa.

Caminho pela casa. Entro em um corredor com o papel de parede totalmente rasgado. Então, vou até o final do corredor, que dá em uma sala de jantar. A mesa está sem um dos pés e as cadeiras caídas. Uma música começa a tocar e eu levo um susto. Olho para os lados e vejo um rádio em cima de um balcão encostado na parede. É dele que está tocando a música, que parece ser bem velha. Então, ouço passos atrás de mim. Viro-me rapidamente. Mas uma mulher com um grande prato de frango está vindo.

Ela, literalmente, me atravessa. Como um fantasma. Eu me viro e então me deparo com tudo concertado. Duas crianças sentadas nas cadeiras e a mulher servindo o jantar. Eles parecem bem felizes. Um homem atravessa uma porta do outro lado da sala e se senta em uma das pontas.

São uma família feliz. Faz tempo que não vejo isso. Não sei nem o porquê de eu estar vendo isso.

Mas então, algo muda e eu me assusto. A música é trocada por um som que parece o arranho de unhas em alguma coisa áspera. A família para de sorrir e todos olham para mim ao mesmo tempo. Parecem estar bravos. Assustados. Ou como se eu fizesse uma surpresa desagradável para eles. O papel de parede começa a desgrudar das paredes.

Meu coração dispara. Eu tenho que admitir que estou com medo disso.

Atravesso a sala de jantar correndo, com todos eles olhando para mim. Saio pela mesma porta que o homem entrou. Um corredor de madeira e um garotinho com um urso de pelúcia estão bem a minha frente. Eu atravesso o garoto, assim como a mulher me atravessou. Vejo a porta para sair dessa casa.

Corro para ela e a abro. Então outra porta aparece. Eu abro. Outra. E mais uma.

Olho para trás e vejo a família inteira me olhando com aqueles alhares que eu morro de medo. Continuo a abrir as portas repetidas vezes. Estou me sentindo no inferno. Quero sair daqui. Alguém me tire daqui!

Abro uma das portas e ela revela um caminho diferente. Eu passo pelas milhares de portas e fecho a última. Estou do lado de fora. Tem sol. Mas o céu é cinza. A claridade me cega por alguns segundos, mas logo eu volto a ver. Eu estou em um lugar alto. Bem alto. O único chão que tem por perto é o que eu estou pisando. Vejo prédios. Casas. Ruas.

É São Paulo.

Destruída.

Deserta.

Olho para baixo. O chão lá em baixo está muito longe. Viro-me para trás com dificuldade. Vejo que eu saí de uma casa, mas como uma casa está em um lugar tão alto?

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