xxxi. SEXTA FEITA

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O Daniel me buscou de uber na minha casa, eu ainda não tinha me mudado para casa da Lia, felizmente lá era mais próximo ao meu estágio, todavia era consideravelmente longe da USP. Nós íamos para a Norte, eu sabia que a Raissa já estava lá, então não teria o problema de ter que deixá-lo sozinho durante o meu credenciamento.

O Daniel usava uma blusa preta e uma calça jeans de lavagem escura enquanto eu usava uma saia jeans preta e um cropped branco. Quando chegamos, notei que o Matheus também estava lá, então apenas seguimos em direção a eles, a Raissa usava um short jeans com as pontas desfiadas e uma blusa do nirvana que era clássica, preta com um sorriso no meio, enquanto isso, o Matheus usava uma bermuda de moletom cinza e uma blusa básica branca.

— Gente, esse é o Daniel – Falei para Raissa e Matheus enquanto o Daniel colocava as mãos ao redor da minha cintura, me deixando um pouco desconfortável – Daniel, esses são meus amigos Raissa e Matheus. Eles fazem faculdade comigo, eu acho que-.

Antes que conseguisse completar minha frase, meu campo de visão foi invadido pela pessoa que eu menos e mais queria ver, ele usava uma blusa preta, uma calça preta, um cordão de prata grosso e seu cabelo estava com um corte similar ao mullet moderno, nossos olhares se encontraram, sua face era indescritível, a priori, ele parecia estar feliz, mas, depois, ele aparentou estar tão neutro que eu não fazia ideia do que ele pensou, ele desviou o olhar e seguiu para a área do credenciamento.

— O que você acha? – Daniel perguntou, ele provavelmente nem notou o que tinha acabado de acontecer, mas, a forma como a Raissa, demonstrou que ela sabia o que tinha acontecido.

— Ela acha que tem que fazer seu credenciamento, né? Ela sempre esquece a palavra – Concordei com a cabeça e agradeci mentalmente por ela sempre saber o que falar.

— Vou lá, por sinal, já volto.

Segui para o local de credenciamento, entrei na fila dos fotógrafos, peguei meu crachá, eu ia sair rápido de lá para voltar a conversar com os meus amigos, mas fui parada por uma mão me puxando, olhei para trás e vi o Leozin, ele sorriu para mim e me abraçou, primeiro fiquei chocada, depois retribui o abraço, ele estava com cheiro de maconha misturado com um perfume masculino forte.

— Eu tava morrendo de saudade! – Ele diz animado, eu me afasto um pouco para conseguir ver seu rosto e ele sorri para mim.

— Você voltou para as batalhas? – Perguntei e ele negou.

— Aqui só para assistir, se o Tavin ganhar hoje, vai ter festa lá em casa, a Raissa vai, você devia ir com ela.

Olhei para o lado vendo que o Otávio estava lá, imóvel e calado, um pouco assustado com a minha presença, mas manteve a neutralidade.

— Quem sabe, né? – Forcei um riso tentando disfarçar meu desconforto.

— Cansei de fingir, conversem, não sei fazer joguinho e vocês também não – Leozin fala rápido e se afasta mais rápido ainda, me deixando acompanhada do Otávio.

— Eu disse para ele que se a gente fosse conversar, a gente conversaria – Ele murmurou e eu dei os ombros.

— Nós vamos conversar?

— Quem é esse cara que tá com você?

— O  amigo da minha irmã.

— Que você ficou? – Confirmei com a cabeça – O que ele tá fazendo aqui?

— Na batalha ou em São Paulo?

— Os dois.

— Ele veio fazer residência para cá e ele veio me ver, por isso tá aqui.

— Ele é, pelo menos, uns seis anos mais velho que você, né?

— Ele entrou na faculdade dois anos mais cedo que o normal, ele era bem adiantado na escola.

— Então, ele é pelo menos quatro anos mais velho.

— Sim.

— Ele é calvo, você sabia, né?

— E você não?

— Ele é feio e calvo.

— Você tá com ciúmes?

— Não, claro que não. Ele é baixinho também, ele faz residência do que?

— Cardiologia.

— Ele é médico?

— Sim.

— Legal, enfim, foi por isso que você não queria me ver quando chegou?

— Você também ficou com outra pessoa, por que você tá agindo assim?

— Eu to normal, você trouxe um cara para se mostrar para mim.

Ele tava certo.

— Eu não trouxe um cara para me mostrar, ele queria me ver!

— E eu não?

— Otávio, você tá com ciúme? – Perguntei mais uma vez.

— Não, Luma, eu não estou com ciúme.

— Então tá, vamos viver e é isso.

— Ok, como você quiser.

Um dia a gente se encontra, eu sei disso, mas quero acreditar que essa decisão é  melhor para mim, voltamos para a estaca zero.

Segui até o meu grupo e fiquei lá até as batalhas começarem, o Matheus e o Daniel se deram bem, eles conversaram bastante e eles dois gostavam de fórmula um, o que entreteve os dois durante a noite.

Durante as batalhas, o clima esfriou, o Otávio colocou um moletom preto com uma faca no canto superior esquerdo e escrito "batalha da norte" nas costas e, enquanto isso, eu desejava mentalmente que ele pedisse trégua e me desse o seu moletom; o Apollo chegou em mim com um moletom vermelho, eu sabia que era do Otávio, ele tinha usado na primeira vez que ele foi na minha casa.

— Ele mandou pelo Leozin, que mandou por mim, para você não ficar com frio – Concordei com a cabeça e entreguei a minha câmera para o Apollo por alguns segundos para vestir o seu moletom, que tinha o seu cheiro.

A final era entre a Devilzinha e o Otávio, eu me vi torcendo para que o Otávio vencesse e fotografando ele em mais momentos  que o necessário.

Durante a batalha, o tópico do primeiro round foi bem político, eu sabia que a Devil cursava filosofia, enquanto ele malmente ia para escola, era pesado comparar a carga de conhecimento entre os dois. O primeiro round foi bem acirrado, mas o Tavin levou.

No segundo round, a Devilzinha iniciou falando que também tem rimas de conteúdo e pergunta pro Tavin se ele realmente é da favela, mordi os lábios, ela tinha ido bem, a resposta dele foi "Falou das crianças da rua, então por que não fala para eles sobre a cultura? Sobre os bens do rap e os males da ditadura? Mas você prefere rimar sobre sentar na pica dura." Nisso, a plateia foi à loucura, depois mesmo com as respostas da Devilzinha, o Tavin estava com sangue nos olhos, ele ganhou e eu vibrei por dentro.

Eu devolvi os equipamentos e fui até a Raissa, vendo que tanto o Matheus quanto o Daniel já tinham ido embora.

jorge maravilhaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora