xii. DOMINGO

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Quando eu cheguei na casa da Raissa, eu fui tomar banho, me sentei no chão do banheiro e, ali, me permiti chorar, eu chorei pelos meus pais não terem me ensinado a lidar com esse sentimento, chorei por não poder abraçar minha mãe enquanto eu tava mal, chorei por saber se o Tavin não gostava de mim, chorei por ter vomitado, pela colonização da África, pelo feminismo decolonial e pelo feminismo marxista, eu chorei por ser uma pessoa fútil, por não saber valorizar as coisas que eu tinha e as pessoas ao meu redor, não aproveitar as oportunidades que a vida me entregava e, principalmente, chorei porque eu tinha baixado a guarda com o Otávio.

Eu dormi quase o dia inteiro e não comi, não sentia fome nenhuma, mas sentia muita dor de cabeça e nada aliviava ela, então me dopei de remédio para dormir, eu deixei a Raissa encarregada de avisar a minha mãe caso ela mandasse mensagem e relaxei pela primeira vez desde que eu conheci o Tavin sem ele.

Ao acordar com o miado da Missy, gatinha da Raissa, eu decidi me levantar da cama e brincar um pouco com ela, fazendo carinho pelas suas costas e deixando ela se esfregar em mim, não demorou muito para a Raissa acordar depois disso, nós usávamos o mesmo pijama de cores diferentes, era um short curto e uma regata de alça fina com um acabamento de renda, ambas as peças de seda, o meu era preto e o dela era lilás.

— Vamos tomar café da manhã? – Raissa perguntou com um sorriso carismático no rosto.

— Pode ser.

Ela se levantou da cama e fomos para a cozinha, a Raissa morava em um duplex na cidade jardins, era uma casa enorme e espaçosa, ela me chamou para morar com ela caso meus pais tivessem um período de crise, gostei de ter essa segurança.

— Você quer comer o que? – Ela perguntou.

— Eu posso cozinhar.

— Só me responde o que você quer.

— Pode ser um misto.

— Ok, misto, um nescau e umas uvinhas.

Ela disse e se virou para a geladeira, retirando pão de forma, queijo branco fatiado, o creme de ricota, peito de peru e por aí foi indo.

— Para que tudo isso? – Perguntei enquanto ela tirava o leite.

— Você não comeu nada ontem, precisa se alimentar bem hoje.

Ela colocou tudo na mesa da cozinha e eu me sentei em uma das cadeiras, de frente para a porta da cozinha, naquele lugar, eu tinha uma visão parcial da porta de entrada; Raissa sentou na minha frente e começou a passar uma quantidade generosa de ricota no pão, enquanto eu comia algumas uvas, depois ela colocou duas fatias de queijo branco e duas de peito de peru, em seguida, fechou o misto e colocou na chapa. Depois, ela colocou leite em uma xícara e, quando ia colocar o achocolatado em pó, o som da campainha ecoou pela casa.

— Já volto.

Eu conseguia ver sua movimentação até a porta e, quando ela abriu, senti vontade de me enterrar em um buraco, era o Otávio.

— Como você encontrou minha casa? – Ela perguntou.

— Maria me contou, cadê a Luma?

— Tá tomando café da manhã.

— Posso falar com ela? – Sua voz era fraca, mas eu conseguia ouvir.

— Acho que não é uma boa ideia.

— Por que?

Antes que a Raissa falasse algo em meu desfavor, eu me levantei e andei o mais rápido possível até a porta.

— Eu cuido disso – Falei enquanto chegava próximo a porta.

— Cuida? – Ela perguntou e eu confirmei com a cabeça.

Ela se afastou e foi até a cozinha, fechando a porta e nos deixando sozinhos. Eu me encostei na porta e respirei fundo antes de falar qualquer coisa.

— Você tá bem? – Ele perguntou.

— Agora sim, estou melhor.

— Você não me deu notícias ontem, fiquei preocupado.

— Como sabia que eu estava aqui? – Ele deu os ombros.

— Fui à sua casa e você não tava lá, me falaram que você não apareceu lá, minha segunda opção era aqui.

— Você realmente estava determinado a me encontrar, huh?

— Sim, o que aconteceu?

— Você tá saindo com alguém?

— Nada sério, por quê?

— Por que você não me contou?

— Você não me perguntou.

— Mas eu não tinha obrigação de perguntar.

— Nem eu de contar.

— Mas você... Eu... Foda-se – Falei tentando me concentrar em não chorar.

— Estamos brigados ainda? – Ri baixo e neguei com a cabeça.

— Nunca estivemos brigados – Deixei um sorriso transparecer no meu rosto e ele sorriu também.

— Que bom, eu não consigo mais imaginar minha vida sem você.

— Eu consigo.

Ele riu e deu um empurrão de leve no meu braço.

— Posso te levar para casa?

— Eu vou ficar um pouco aqui, a gente pode se ver outro dia.

— Ok, então, se cuida, Lu.


jorge maravilhaWhere stories live. Discover now