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- Pablo Gavira -

- Para onde está me levando? - Alice questionou.

Estávamos no carro há alguns minutos. Eu tinha dispensado o motorista e estava mostrando o caminho para Alice.

- Quando chegar você vai saber. - Respondi.

Estávamos sem motorista porque eu queria privacidade, não queria ninguém escutando a conversa que estávamos prestes a ter ou nos vendo fazer o que iríamos fazer.

- Pode virar aqui.

Ela virou.

- Que bom que você não sabe dirigir, assim não vai fugir da cena do crime. - Alice falou.

Eu ri. Estávamos em um lugar deserto durante a noite. A probabilidade de alguém escutar seus gritos era extremamente baixa.

- Talvez eu tenha mentido para você. - Entrei na brincadeira.

Escobar riu. Ela estava muito risonha, devia ser o efeito da bebida.

Ficamos em "silêncio" por um tempo, apenas com as minhas indicações do caminho, que não foram tantas. Até ela se pronunciar.

- Ele te contou, não contou? - Sua voz ecoou pelo carro.

Eu sabia a que ela se referia.

- Eu sinto muito. - Foi a minha resposta. - Eu sinto muito que tenha perdido tanta gente.

Ouvi seu suspiro pesado.

- Eu corria pra vê-los. Eu tinha esperança de que eles estivessem me esperando com aquele sorriso de quando me adotaram. Agora eu não visito o quarto e sim o túmulo deles. - Seu olhar estava baixo, mas concentrado na estrada escura. Ela não tinha coragem de olhar nos meus olhos. Ela tentava manter suas lágrimas em seus olhos, ela não queria desabar naquele momento. - Ainda ouço o som das sirenes, dos gritos desesperados de Leonardo tentando lutar por nossas vidas, lembro dos fantasmas deles aparecendo pra mim de noite e... e da mídia me sufocando a todo momento, dos flashes de câmeras em cima de mim me fazendo relembrar essas memórias de novo e de novo. Eu nem sei como o meu nome não foi para as manchetes, não sei como eu fui capaz de esconder minha identidade daqueles acontecimentos... Eu não sei porque tudo isso aconteceu, mas eu sei que teria sido melhor morrer com eles que viver desse jeito. Eu não consigo me apegar a ninguém, tenho medo de que vão se machucar assim como todos que entram na minha vida. - Escobar finalmente levantou seu olhar para me encarar. -  Então, por favor, desista de mim agora antes que eu me apegue.

Engoli em seco e tentei digerir suas palavras. Eu conhecia a história, mas a história contada por Neymar, não pela verdadeira vítima.

- Para o carro. - Pedi. -  Por favor, desabafe.

- Eu me perdi naquela noite, eu joguei tudo fora. Me lembrei das palavras da minha mãe, mas já era tarde demais. Eu sinto o fardo agora. Está pesando na minha alma e eu não consigo recuperar o fôlego porque esses demônios me seguem. - Ela estava sendo sincera, eu sabia disso, não sei como, mas eu sabia. - O diabo está em meu ombro, estranhos em minha cabeça, como se eu não lembrasse, como se pudesse esquecer. Foi apenas um momento, um momento que tirou uma vida. - Ela ainda se segurava para não chorar, mas mesmo assim continuou. - Eu nem sei como aquele fogo começou... E isso me consome. Desesperada, tão consumida por toda essa dor, se você me perguntar o por quê, não saberei por onde começar. Raiva, amor, confusão não me levaram a nada...

E ela parou. Ficou quieta e voltou a encarar a paisagem.

- E o que mais, Alice?

- Todas as noites eu acordo com o mesmo pesadelo: Leonardo morrendo na casa. Ele chamando meu nome enquanto tosse os pulmões para fora. - Fez outra pausa. - Eu respiro fundo e penso que foi só um pesadelo. Mas não foi. Não consegui fazer nada para ajudá-lo, para salva-lo. Mas eu sei que eu fui a causa da morte, que se eu não estivesse dormindo nós dois teríamos conseguido sair da casa, se eu não tivesse paralisado dentro daquele quarto, nós dois estaríamos vivos agora.

Em CampoWhere stories live. Discover now