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- Pablo Gavira -

Tentei dormir. Estava cansado. Meus ombros doíam, os olhos pulsavam e a cabeça latejava. Um cochilo ajudaria, mas fazia duas horas que eu havia discutido com Alice, e me sentia mal por ter chamado a garota de insolente outra vez. Eu não brigava com as pessoas, não fora do campo. Nunca tinha chamado ninguém de insolente. Com os próximos dias pairando diante de nós, dias quentes e solitários, eu sabia que precisava me esforçar mais para me dar bem com ela.

Eu teria de engolir tudo isso. Todos os cortes em seu braço, tudo o que ela fazia questão de não contar e todas as vezes que ela me afastava.

Enquanto estava ali deitado, olhando para os armários à minha frente, notei que sabia a senha de Perdi. Me levantei, fui até seu respectivo armário, estendi a mão e o abri. Tinha um baralho lá dentro. Eu o peguei e o virei de um lado para o outro. Levei cinco minutos para me convencer a fazer o que sabia que precisava fazer.

Não deixei de me perguntar o porquê dele levar um baralho para o CT.

Sai do vestiário. Ainda estava claro lá fora, e haveria luz por mais algumas horas. Estava mais fresco no lado de fora. Fresco não era a palavra certa; menos quente descrevia melhor. Alice continuava sentada exatamente como antes. Só que dessa vez ela mantinha a mão esquerda sobre a cabeça. Dava para ver as cicatrizes. Ela olhou para mim como se esperasse que eu dissesse alguma coisa.

- Oi. - Foi tudo o que eu disse.

Como não falei mais nada, ela retomou a encarar o nada.

Eu não tinha ido ali para dizer “oi”. Forcei as palavras seguintes a saírem da minha boca.

- Eu encontrei um baralho.

Ela olhou para as cartas que eu virava novamente entre as mãos.

- Hum... quer jogar?

- Jogar o quê? - Ela perguntou.

Se eu respondesse do jeito errado, ela diria “não”.

- Tanto faz. Você que sabe.

Ela suspirou e continuou me encarando.

- Não precisa fazer nada disso. - Ela disse.

- Fazer o quê? - Eu realmente não sabia do que ela estava falando. Não precisava encontrar entretenimento?

- Você sabe.

Eu não sabia. Sentia pena dela, e ela conseguia ler essa emoção no meu rosto como tinha lido a aversão e o medo dela quando perguntei sobre as marcas de seu antebraço esquerdo.

- Pode continuar me tratando como todos me tratam.

- Como assim? - Até onde eu sabia, ninguém a tratava de jeito nenhum.

- Pode continuar me ignorando. Mais dois dias, e você vai embora. Melhor manter o costume.

- Você não quer que te conheçam. É exatamente o contrário do que está dizendo. É você quem ignora todo mundo. Não sabe nem o meu primeiro nome...

A última frase deve ter pegado Alice de surpresa, porque foi a primeira vez que ela abandonou o ar duro e me encarou de verdade. Sem a guarda alta, parecia mais jovem. Grandes olhos castanhos, cabelos escuros e ondulados, uma expressão vulnerável no rosto.

- Pablo.

Foi minha vez de fazer cara de surpresa. Eu podia jurar que estava certo sobre isso. A repentina mudança na energia tirou de mim a vontade de brigar.

Em CampoWhere stories live. Discover now