Capítulo Vinte e Oito

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Minha vez de se aproximar dele. Meu medo se vai. De perto ele não é muito assustador. Na verdade nem assustador ele é. Ele não passa de um homem que quer assustar os outros para ficar no comando.

— Bom, então vocês peguem esse remédio e vão para fora da merda desse hospital — ele se estica para ficar mais alto e tentar dar medo. Tenho que olhar para cima para o ver. — Nós não vamos com você.

— Talvez você não — digo, sem mudar a minha expressão brava para ele. — Mas não pode impedir os outros de irem.

Ele parece bem mais bravo. Então, agarra os meus ombros com força. Sinto sua mão me apertar fortemente. Uma raiva me invade também. Bato em seus braços e o empurro. Ele cai para trás, derrubando o seu machado. Algo me invade. Não me sinto mais no controle. Vou em sua direção para socar seu rosto até vê-lo sangrar e ver seu sangue manchar meus punhos. Levanto o braço para começar. Mas paro.

O que estou fazendo?

Abaixo meu braço. Essa não sou eu. Sinto calafrios no meu corpo. Não queria ter feito isso. Não deveria ter feito. Mas ele ia me atacar... Mas eu não deveria ter tido esse pensamento horrível. Pensar em socar seu rosto... Sei que eu poderia muito bem fazer isso por causa da minha "super força", mas não quero.

O homem fica me encarando com uma expressão de ódio. Então, ele se levanta. A mulher tatuada aparece entre nós.

— Vamos parar por aqui, tá? — diz ela.

Então, o homem pega seu machado, ainda olhando para mim e finalmente se vira para se afastar. A mulher vem até mim.

— Desculpe por ele... — diz ela, jogando seu cigarro atrás de mim, que eu me lembro ter um imenso buraco. — Ele se chama Dan. — Ela tosse um pouco. — Ele nem sempre foi assim. Mudou quando o mundo ficou assim...

Ela aponta para atrás de mim. Viro-me lentamente. A vista daqui é incrível. Mas ao mesmo tempo horrível. Ando até a borda do chão. O vento bate em mim. Meu rabo de cavalo tenta escapar da minha cabeça. Vejo o céu cinza. Os prédios destruídos. Vidas destruídas. Então, a mulher aparece do meu lado. Ela olha para mim.

— Acho que o seu condomínio não vai nos querer lá — diz ela.

Eu a encaro. Percebo um furo no seu nariz, onde eu acho que ficava um piercing. Então percebo um piercing no smile quando ela sorri. Ela tem uma tatuagem de uma flor que começa na sua nuca e termina perto de seu olho direito. A flor é cheia de espinhos e tem uma cor bem viva. Por mais que eu odeie tatuagem no rosto, acho que essa ficou bonita nela.

— Nós aceitamos todos — digo.

Seu sorriso vai embora. Agora ela faz uma cara de dúvida. Então pergunta:

— Até... lés...

Já sei onde está querendo chegar. Como não notei isso antes? Ela é lésbica. Bom, pelo menos eu descobri que não julgo as pessoas pela aparência — ou talvez conviva com tão poucas pessoas que nem reparo mais nessas coisas.

— Sim, nós aceitamos lésbicas — digo, sorrindo para ela.

— Ah — ela sorri de novo. — Me chamo Lena.

— Claire.

Então seu olhar se volta para a cidade junto com o meu. Lembro-me de quando fiz amizade com Bruno. Ele era gay. Foi a primeira e única — até agora apouco — pessoa gay que tinha conhecido. Mas ele era Sinistro e um dia foi e não voltou das ruas. Não consegui assistir ao funeral dele, embora tenha assistido um pouco de longe.

Por um momento, sinto-me culpada por convidá-los para o condômino. Que pode ser controlado pela LPB esse tempo todo. Estou praticamente os convidando para serem observados pela LPB.

Saio de perto da borda, onde eu poderia ter morrido. Richard vem até mim. Ele olha de relance para Dan enquanto vem. Percebo o medo em seus olhos.

— Você disse que veio pegar remédio para a sua amiga... — diz ele. — Que remédio é?

Tento me lembrar do nome que o médico me disse aquele dia.

— Celfato — digo após um tempo.

Sua expressão não indica boa coisa.

— Eu também preciso — diz a mulher com a criança.

Eu a olho. Então, ela se vira e eu percebo que seu braço está cheio de ataduras. Parecem estar um pouco sujas. A criança em seu colo começa a se espreguiçar e eu percebo que está acordando.

— Levei um tiro de raspão — ela diz, balançando a criança. — E isso está causando uma infecção em meu braço.

— Sinto muito — digo. — E qual o problema? — pergunto para Richard. — Por que fez aquela cara? Não tem Celfato para todo mundo?

Será que não tem mais Celfato? Entro em desespero por dentro, mas por fora mantenho o controle.

— Não, tem bastante Celfato, uma caixa cheia dele — ergo as sobrancelhas. Qual o problema então?O problema é que está no último andar.

Vejo Lena aparecer do meu lado. Então sinto os olhares de todos na sala me atravessarem. Vejo James se aproximar agora também.

— O que tem no último andar? — pergunta ele.

Já sei a resposta.

— Zumbis — responde Richard, finalmente. E eu acertei. — Muitos zumbis.

SinistraWhere stories live. Discover now