40. "Fazer" (p.1)

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Há doze anos...

Sobre uma velha bicicleta vermelha, um jovem moreno voltava para a sua residência, após um longo dia suado na cidade de Lima, em Ohio. Morava lá fazia alguns anos. Ele trabalhava como garçom, e fazia qualquer outro bico que arranjasse nos finais de semana para sustentar-se e, bom, pagar sua estimada faculdade, é claro. Era um cara de múltiplas funções, embora não por escolha. Insônia era algo normal para ele, o seguia dia e noite, como uma fiel escudeira insuportável. E quando caía no sono, não necessariamente de noite, o mesmo não passava de cinco horas de duração, mas o homem conseguia manter-se em pé, apesar do cansaço perpétuo e sonos desregulados rotineiros.

Um estudante de medicina.

Ele tinha uma longa jornada pela frente ainda, com vinte e quatro anos, estava no quarto ano do ensino superior da matéria. Não podia nem sequer pensar em desistir, ou fugir. Dava tudo de si nos estudos, importância sem igual.

"Ainda bem que cigarros existem" pensava sempre, no próprio silêncio.

Um vício? Talvez. Ele não podia deixar de fumar no final de cada dia, quase como uma regra pessoal. O consumo era seu único momento de calmaria perante a sua recente realidade. De vez em quando trocava cigarros por álcool, ou utilizava-se dos dois ao mesmo tempo, mas isso não vinha ao caso.

Uma música ecoando na casa chamou-o a atenção.

Estava tarde. Cesar fitou uma das portas do lugar, enquanto ele fumava relaxado no sofá. O barulho vinha de um dos quartos. O Lopez passou a abanar o vento, possesso, espalhando a fumaça ao redor, como se quisesse esconder a ação, antes de pousar e amassar o toco de cigarro, entre os dedos, no cinzeiro que, se localizava sobre uma mesinha de madeira em frente ao assento. Enfim, ele se ergueu, seguindo o som. Abriu a porta do ambiente, adentrando-o freneticamente.

Argh, Santana! – Cesar queixou-se ao notar a filha pequena cantando em cima da cama, aos pulos. – Você devia estar dormindo, menina! Que barulho, deus... Já falei que você não pode ficar acordada depois das nove, só os adultos podem. Droga. Não se lembra?!

A criança arregalou os olhos e parou.

— E-eu lembro, mas...

— O que é isso?! – O homem olhou superficialmente para um papel com um desenho todo torto no chão do quarto, e bufou ao ler a frase acima do mesmo: "O que você quer ser quando crescer?" Ah, sim. Papo furado de profissões para crianças davam sempre nisso, sonhos ridículos, inalcançáveis e um tanto quanto idiotas. – Ah, então é cantora que você quer ser quando crescer é?

Ele direcionou os olhos à Santana.

— Sim... É tão legal, papai! Músicas me deixam feliz, eu amo elas.

— Hum, entendi.

Cesar a encarou com deboche em seu semblante nada feliz, e se aproximou, pronto para dizer algumas "verdades" sobre a vida.

— Claro. Mas, pra ser uma cantora você precisa ter muita sorte e mais que isso: talento. Senão corre o risco de parar debaixo da ponte, sem casa, sem comida, sem família, sem dinheiro, ou amigos. E olha: você não sabe cantar. Nem nunca vai saber, porque a gente não tem dinheiro pra gastar com esse lixo, e as pessoas estudam pra cantar. O que não dá em nada a maior parte das vezes, então nem pense em sujar o nome da minha família com sonhos impossíveis... – O homem nervoso devolveu o desenho semi-amassado de volta para as mãozinhas de Santana. – Fica quieta e esquece essa ideia imbecil, Santana... Vá dormir, agora! Já passou da hora. Ca-ma.

Ele caminhou até a porta e apagou a luz, deixando a porta entreaberta, e a menina chorosa, agora sentada, para trás, sobre os lençóis do colchão.

Destino ou não - BrittanaWhere stories live. Discover now