t w e n t y n i n e

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Droga. A conversa não deve ter sido boa. Será que houve conversa?

— Trouxe um café pra você — eu digo, sem saber o que fazer ou dizer, enquanto a entrego um dos copos.

Lara se vira na hora para mim, como se tivesse acordado de um devaneio, e pega o copo nas mãos. Ela evita meu olhar.

— Obrigada. — Sua voz é quase um sussurro, e posso jurar que Lara parece meio envergonhada conforme bebe um gole do café.

— Então.... sua mãe tá bem? — Eu me encosto na parede, ainda virado para ela, e tamborilo os dedos no copo de plástico enquanto espero por sua resposta. Tenho medo de ter perguntado a coisa errada, mas preciso falar algo. Não aguento nem mais cinco minutos deste silêncio tenso que eu quase toco pelo ar.

Ela bebe mais alguns goles, como se evitasse a resposta o máximo possível, até que afasta o copo da boca.

— Sim. Ela tá bem — murmura, o olhar com uma indiferença tão grande que até me assusto. — Melhor do que nunca, inclusive. Fez até questão de jogar umas verdades na minha cara.

— Jogar verdades? — Arqueio a testa, impressionado com a contrariedade dos fatos. — Que eu saiba, é você quem tem a moral de fazer isso no momento.

Lara solta uma risada de escárnio, mas seus olhos só expressam tristeza enquanto ela mantém este sorriso frio no rosto.

— Pois é. Mas na cabeça da minha mãe as coisas não funcionam assim.

É, foi tudo realmente péssimo lá dentro.

— Você... quer sentar em algum lugar? — eu digo após uns minutos de silêncio, observando-a fitar o nada. O que será que tanto pensa? Gostaria de poder saber e ajudá-la. — Podemos conversar sobre isso tudo. Ou só ficar em silêncio, se você preferir.

— Tudo que eu quero agora — sussurra ela, desviando o olhar para seu copo de café — são coisas que não podem ser trazidas de volta.

Engulo em seco, pego de surpresa com sua escolha de palavras. É tudo tão profundo e pesado que não faço a menor ideia do que dizer.

Mais um silêncio surge, e eu me mexo desconfortável ali enquanto sinto aquela barreira invisível instalar-se entre nós novamente. Meu café acaba, e eu caminho até a lixeira mais próxima pra jogar o copo fora. Quando retorno, Lara ainda está na mesma posição, abraçando seu copo com as mãos com o mesmo olhar vidrado.

— Então — eu começo, limpando a garganta, enquanto me encosto na parede contrária e coloco as mãos no bolso da calça. — Não quer mesmo se sentar?

Ela apenas nega com a cabeça.

— E você.... você vai voltar pro quarto? — Achei melhor não mencionar a mãe, principalmente depois de tudo o que deve ter rolado. Será que ela gritaram uma com a outra? Xingaram? Se exaltaram?

Não.... ainda que não conheça a Sra.Becker muito bem, esse não parece ser seu estilo.

Nem o da Lara.

— Não — sussurra ela, engolindo em seco.

O fato de não conseguir ajudá-la me incomoda, porém sei que apenas minha companhia já causa uma diferença. Então permaneço ali, vendo-a tomar goles e goles de café até que abaixe o copo, já vazio.

— Quer que eu jogue pra você? — eu murmuro, esticando o braço em sua direção. Mas Lara se esquiva de mim, indo por conta própria até a lixeira.

Me viro pra acompanhar seus passos, ainda escorado na parede gelada, e não deixo de sentir-me meio mal por seu gesto ríspido. Mas eu entendo, entendo bem. Já até a conheço o suficiente pra saber que sua reação sobre tudo é intensa e inesperada, mas nada que também não possa ser previsto.

Pois ainda que compartilhe comigo, nunca vou estar em seu lugar; conhecendo cada sensação da batalha interna que enfrenta todos os dias.

Começo a estranhar quando Lara demora pra voltar, ainda virada de frente para a lixeira. Confuso, observo-a passar a mão pelo rosto, de costas para mim, conforme sua postura murcha e seu corpo tem uma leve contração.

Ai, merda. Ela tá chorando.

Me desencosto da parede no mesmo segundo, praticamente correndo em sua direção. Os gemidos e soluços são ouvidos instantaneamente quando chego perto, e praticamente a empurro em minha direção enquanto nos junto num abraço. Lara enterra o rosto em meu ombro, chorando piedosamente.

— Shh, calma... calma... — eu sussurro, acariciando seu cabelo, no meio do corredor do hospital.

Uma cena trágica, mas creio que não será a primeira nem a última a ser vista por aqui.

Amor VirtualWhere stories live. Discover now