Um Vislumbre do Passado

1K 117 37
                                    

Vincent já tinha andando por aquela floresta muitas vezes, reconhecia os pinheiros e as estradas esculpidas na terra. Mas, naquele dia, havia algo de diferente, um cheiro estranho no ar, um gosto metálico que impregnava na boca.

Foi quando viu aqueles corpos caídos no chão, o sangue banhando a terra. Ao chegar mais perto, pôde ver os buracos feitos por facas e outros objetos cortantes. As tendas que antes haviam ali estavam foram queimadas, ou simplesmente destruídas, reduzidas a escombros.

O feiticeiro sentiu como se alguém tivesse lhe arrancado o coração e o reduzido a pó bem diante de seus olhos. O desespero deformava suas feições.

– Callie! – ele gritou a plenos pulmões – Callie! Calliope!

Depois de muito checar os corpos, não encontrando nenhum sobrevivente, apenas mais provas de um massacre cruel e covarde, Vincent sentiu a agonia restringindo sua respiração, pesando em seu peito. Alguns daqueles ciganos haviam sido queimados, amarrados, enforcados, esfaqueados e por quê?

Vincent conhecia a resposta. "Tudo que é diferente do considerado 'normal' sempre causa repugnância naqueles que não conseguem se desprender de seu egocentrismo, incapazes de lidar com sua insignificância". Sua mãe havia lhe dito isso anos atrás, para consola-lo de sua própria situação, mas ainda fazia muito sentido.

Então, Vincent a encontrou. Callie estava caída próxima ao lago, o feiticeiro desabou de joelhos ao lado dela, pegando-a em seus braços. Seu rosto parecia sereno, os olhos fechados e a boca semiaberta, o cabelo ondulado caindo feito um véu. Havia um ferimento profundo em seu peito, sangue seco em suas vestes puídas e ela estavam fria, tão fria e rígida.

Ele a abraçou forte, deitando a cabeça de Callie contra seu peito e envolvendo o corpo dela com o braço, como se pudesse passar todo seu calor corporal para ela e, assim, aquece-la. Vincent entoou todos os feitiços de cura que conseguiu se lembrar, sua energia mágica penetrava o corpo dela, pequenas e intensas fagulhas verdes, mas não conseguia se ancorar a nada. A magia não era capaz de ajudar um corpo vazio, um corpo cuja alma já o havia deixado.

Era noite e o feiticeiro sequer percebeu quando o sol nasceu no horizonte. Não saberia dizer quantas horas haviam se passado, permaneceu ali, quieto e parado, abraçando firmemente Callie, mantendo-a o mais aquecida que conseguia, muito embora seu corpo continuasse frio.

Alguém tocou em seu ombro, mas Vincent sentiu vagamente o toque, quase como se não pertencesse mais a si próprio, como se fosse agora apenas um mero expectador, assistindo tudo ruir e se perder.

– Vince, ela se foi, não adianta mais segura-la. – a voz de sua irmã chegou aos seus ouvidos, doce e compreensiva – Calliope já está em outro lugar.

Vincent a apertou mais contra seu próprio corpo, como se pudesse fundi-la a si, torna-la parte de seu ser para sempre. As lágrimas desciam por seu rosto sem que pudesse detê-las, feito uma cachoeira abundante e, mesmo assim, ele permanecia sem emitir som algum.

– Eu quero... ela de volta. – sua voz saiu como um lamento jogado ao vento, melancólico e ferido, quebrado como uma frágil porcelana.

Vincent estava sentado na poltrona da casa que crescera, fitando o fogo da lareira. Embora parecesse calmo por fora, estava dilacerado por dentro, não conseguia arranjar forças para fazer qualquer outra que coisa que não fosse ficar ali, observando a dança lenta e contínua das chamas. Havia uma intensa tormenta acontecendo dentro de si.

Um vazio imenso ameaçava engoli-lo. A morte de Calliope lhe causava uma ausência sufocante, algo que comprimia fortemente sua garganta, dificultando sua respiração, causando uma agonia pesada em seu peito, que não abria espaço para mais nada.

O FeiticeiroWhere stories live. Discover now