Declaração de Guerra

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Ellie estava voltando para casa por uma estrada de terra que passava no meio da floresta. Não era boa para carroças, por causa das raízes, e certamente nenhum pouco segura, considerando a distância que estava da civilização. Não que isso importasse, já que ela não estava com nenhuma carroça ou cavalo, e bandidos normais não a assustavam, afinal, era uma feiticeira.

Estava um pouco ansiosa para voltar. Já fazia quatro dias que estava longe do castelo e, da última vez que ficara tanto tempo longe, Bash destruiu uma parte da casa por ainda estar acostumado a "hábitos selvagens". Não queria encontrar tudo revirado novamente.

Foi quando ela escutou um piado baixo, que continuou três passos depois.

Começou a procurar pelo som e encontrou a fonte ao pé de uma árvore, escondido por entre as folhas secas. Ela as afastou cuidadosamente e encontrou um filhote de corvo, com uma penugem rala cobrindo seu corpo. Assim que ele a viu, abriu o bico e desatou a piar.

– Está com fome, pequeno? – a voz não era a sua, mas a de Vincent. Ela esticou a mão e tocou carinhosamente o pequeno bico da ave. – Onde está sua mãe?

Ela olhou para cima, procurando, mas não encontrou nenhum ninho e nenhum corvo em busca de qualquer filhote. Então ela apanhou a pequena ave e a trouxe para junto de seu corpo, a fim de aquece-lo com seu próprio calor.

– Eu acho que posso arranjar um pouco de comida para você.

Ellie se sentou de súbito, suor frio lhe escorria pela espinha e sua respiração estava curta e rápida, como se o ar se recusasse a se manter em seus pulmões.

O que tinha sido aquilo? Aquela... visão? Não podia ser uma lembrança de Vincent porque a ligação havia se rompido, ela sentira, da pior maneira possível. Mas então, o que foi aquele sonho? Talvez fosse só uma lembrança da memória de Vincent que vira antes, apenas não se recordava totalmente e agora ela tinha visto de novo, em sonho.

Mas algo a dizia que não. Foi exatamente como antes, vivenciou a memória, como se tivesse sido parte de sua própria história, como se estivesse gravado em sua alma...

Ellie esfregou o rosto com as mãos, sentia-se cansada. Cansada de se sentir vazia.

Ela afastou as cobertas e despiu a camisola, enfiando-se dentro de um vestido, em seguida. Prendeu parte de seu cabelo com uma fita e foi direto até as escadas, descendo rapidamente, na ponta dos pés, fazendo com que suas botas de cano curto produzissem menos som.

Quando estava finalmente ao ar livre, seus joelhos cederam de encontro ao chão. Ela inspirou e expirou, e de novo, e de novo, e de novo. Mas não importava o quanto repetisse o gesto, continuava sentindo como se tivesse um peso sob seu peito, constringindo sua respiração. A sensação exata era a de estar em perigo, mesmo que nada estivesse acontecendo naquele instante.

Ela fechou os olhos com força, tentando invocar a antiga conexão, as memórias, o sentimento, a sensação física. Mas era inútil. Não existia mais.

Assim que abriu os olhos, encontrou uma ventania envolta por chamas circulando seu corpo, como se a protegesse de qualquer coisa que estivesse do lado de fora. Ellie sabia que aquilo vinha dela, de seu descontrole emocional.

Pare, apenas pare.

O vento se dissipou e as chamas desapareceram no ar.

Não pode se descontrolar, Ellie. Ela disse a si mesma. Não pode invocar fogo, vento ou gelo toda vez que ficar chateada, com raiva ou triste. Não pode.

Lentamente, Ellie se pôs de pé, ignorando a lama que agora sujava a frente do seu vestido.

Ellie começou a se mover no lugar, em círculos, movendo as mãos de forma ondulatória, como se estivesse se movendo junto com as correntes de ar. E, sutilmente, um vento leve começou a rodeá-la. E gire, gire, gire, gire, apenas gire. Convencer o vento a rodeá-la, a girar, formando uma corrente de ar ao seu redor, como um pequeno redemoinho não era tão difícil, bastava apenas ficar calma e, ter paciência. Mover-se fluidamente e sutilmente, como uma brisa.

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