Sombras do Inferno

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June havia ido à residência de uma senhora tratar uma ferida penetrante, devido à um acidente na cozinha com uma faca. Como de costume, o marido dela fez pouco caso de June, perguntando-se como uma pessoa tão jovem, ainda mais uma mulher, poderia ser médica.

Depois que June executou seu trabalho com maestria, fechando o ferimento e amenizando a dor, aquele homem torceu o nariz e não disse mais nada. Sua esposa, certamente mais gentil, agradeceu June e a pagou generosamente.

Na volta para seu herbário, June avistou alguns homens encarando-a de uma forma nojenta, fazendo com que tudo dentro dela se revirasse a deixando com enjoo. Isso a fazia se lembrar de sua mãe, da sua terrível infância e do lugar onde costumava morar. Pior do que isso, ela quase conseguia sentir o cheiro pungente masculino e ouvir aquelas risadas odiosas.

June apertou o passo, pensando que, se precisasse se defender, poderia pegar uma de suas tesouras ou o bisturi. Estava certa de que seria capaz de se proteger, caso precisasse.

No meio de seu caminho, ouviu o barulho de várias vozes falando ao mesmo tempo. O som vinha de uma pequena aglomeração se formando ali por perto, pessoas que se amontoavam ao redor de alguma coisa. Ela teve que dar algumas acotoveladas para passar pelo tumulto, para poder ver o que tinha causado toda aquela agitação. Era uma notícia e também um cartaz de procurado com uma recompensa.

Pelo que June pôde ler, um comerciante, chamado Aaron Hoffmann, um fazendeiro, Hadrian Lehmann e um bêbado pai de família, Ritcher König, haviam sido brutalmente assassinados. Na carne de seus corpos havia sido escrito, como que com garras, uma mensagem. Era latim e June conseguiu traduzir "Tudo por Vincent Maddox".

O cartaz de procura-se era justamente para Vincent, onde havia uma descrição dele – pele e cabelos brancos, olhos violetas, aparência afeminada –, além de uma recompensa bem alta. O cartaz o definia como "bruxo", que era como os leigos costumavam definir todos que utilizavam praticas mágicas, embora houvesse certa diferença entre um bruxo e um feiticeiro.

– Esse bruxos – um homem barbudo comentou com desgosto e cuspiu no chão, em sinal de repugnância – Vermes infernais que deveriam ser exterminados. Soube que em um dos países Ibéricos queimavam esses animais, o imperador deveria fazer o mesmo aqui.

– Hereges do inferno! – uma pessoa da multidão gritou.

– Deveriam botar esse bastardo em uma fogueira! – praguejou uma mulher ensebada.

June não estava gostando de todo aquele alvoroço. Ela avançou na direção do painel de madeira e arrancou um dos cartazes de procurado, passando pela multidão feito um corcel raivoso, praticamente correndo de volta para seu herbário.

Assim que chegou em sua loja, June parou um momento para recuperar seu fôlego e acalmar seu coração agitado, feito uma borboleta voando contra o vento, sendo levada.

Ela fechou o herbário e entrou novamente no castelo, indo direto para o quarto de Vincent. Sequer se preocupou em bater à porta, simplesmente entrou.

Vincent estava atrás de seu cavalete, pintando um quadro. Usava uma calça de linho azul escuro e uma larga camisa branca, cujas mangas estavam dobradas até o cotovelo. Seu rosto estava manchado de tinta vermelha, assim como sua camisa, que também havia a cor azul e a verde. Ele ergueu os olhos para June, um tanto intrigado.

– June, achei que tivesse lhe ensinado boas maneiras como, por exemplo, bater antes de entrar.

Vincent deixou o pincel dentro de um recipiente com água e limpou suas mãos sujas de tinta nas próprias roupas, enquanto saia de detrás do cavalete e da tela. Havia um vinco em sua testa, ele havia percebido o tom de desespero manchando o rosto da menina.

O FeiticeiroWhere stories live. Discover now