Aquilo Que é Mais Precioso

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Quando Eleanore acordou já era noite, havia uma nova lamparina em sua mesinha de cabeceira, o fogo tremulando, movendo as sombras a cada segundo.

Sua cama não estava mais queimada, nem o chão ou a madeira da mesinha. Ela podia supor que Vincent havia concertado tudo com magia.

Ela sentia seus olhos pesados e inchados de tanto ter chorado na floresta, nos braços de Vincent. Não se lembrava de muito depois disso, ficou sonolenta de repente, sequer tinha memória de como voltou para o castelo. Sentia-se ligeiramente mais leve, depois de ter derramado tantas lágrimas, quase como se tivesse lavado a tristeza acumulada em seu corpo, ao menos uma parte dela, sabia que não era capaz de esquecer tudo assim tão facilmente.

Antes que pudesse ter fugido da casa de seu pai, escutou-o dizendo que era incapaz de ama-la por se parecer com Verena, sua mãe. Aquilo tinha partido seu coração, de uma forma mais dolorosa do que qualquer agressão que Albert já a tinha infligido.

Eleanore agarrou seus cabelos com força, o cabelo ruivo que herdou de sua mãe. Ela o puxava com violência, querendo arranca-lo de seu couro cabeludo. Não sabia porquê, já que não deveria querer o afeto de seu pai, um homem que nunca havia sido bom para ela, ou minimamente amável. Então, por que ela tinha essa necessidade doentia de agrada-lo?

Ela largou seu cabelo, vendo alguns fios alaranjados entre seus dedos. Será que nunca mais veria o seu pai? Ou sua tia ou sua prima?

Não sabia como se sentia em relação à isso. Na verdade, não sentia nada.

Estava prestes a se levantar da cama, quando viu que havia alguém em seu quarto. Ficou em choque ao perceber isso, mas foi relaxando gradativamente ao constatar quem era.

Vincent estava sentado na poltrona, na verdade, quase afundado contra ela. Seus olhos estavam fechados e o peito subia e descia suavemente. Estava dormindo.

Eleanore afastou as cobertas e se levantou. Ainda usava o mesmo vestido verde, mas estava sem as botas. Ela se aproximou silenciosamente de Vincent e esticou a mão para acorda-lo, mas parou no meio do ato. Ele parecia dormir profundamente, Eleanore não quis acorda-lo, apesar de, pela posição em que ele se encontrava, talvez não estivesse tão confortável.

As pálpebras de Vincent estavam agitadas, possivelmente devido a um sonho conturbado. Ele balbuciou algo bem baixinho, que Eleanore não conseguiu entender, então, ela chegou mais perto para que pudesse ouvir mais claramente.

– Callie... – ele sussurrou e seu rosto se franziu, como se aquela palavra lhe causasse dor.

Callie. Provavelmente uma mulher. Quem poderia ser? E por que parecia doloroso para Vincent?

De repente, os olhos de Vincent se abriram, revelando aquela íris violeta incomum. Eleanore percebeu que estava muito próxima, tão perto que podia contar os cílios brancos do feiticeiro. Então, afastou-se bruscamente, enrubescendo.

– Nossa, acabei dormindo – Vincent esfregou os olhos com as costas da mão e a fitou, em seguida, vasculhando o rosto dela em busca de alguma coisa. – Como você está, Ellie?

Ainda era um choque para Eleanore ouvir Vincent a chamando por um apelido, mas ela estava começando a gostar do som que "Ellie" tinha.

– Eu estou bem, acho. Me desculpe chorar daquele jeito.

Vincent inclinou a cabeça para o lado e sorriu, o primeiro sorriso de verdade que Eleanore viu no rosto dele, desde que o conheceu.

– Não precisa se desculpar por chorar, Ellie, não há nada de errado nisso.

Eleanore se espantou. Ela tinha uma memória vívida, de uma vez em que chorou na frente de seu pai e ele lhe deu um tapa no rosto, que ecoou por toda a cozinha, bem diante de duas criadas do casarão. Seu rosto ficou latejando por horas. Seu pai disse, depois que a bateu, que ela não podia chorar, que isso o aborrecia e que, se fosse para chorar, que não o fizesse na frente dele.

O FeiticeiroWhere stories live. Discover now