Capítulo LX - Reunião na casa de Sônia

3 0 0
                                    

Reunião na casa de Sonia era sempre muito bom.

Juntos estavam Marcelo e Margarida, Júlio e Rosalva, Wanderley e Giuliano, Sonia e o novo namorado, Carmem e o marido e Berta.

- Quer dizer então que o filho não é de vocês? - perguntou brincando Júlio.

- Não, querido, ela não nos deu esse prazer - respondeu Giuliano.

- Você jura que queria um filho nessa altura do campeonato, né? - perguntou Marcelo rindo.

- Claro que não - respondeu Giuliano, - mas a coisa estava tão dentro do contesto que não tinha mais jeito de se pensar em coisa diferente.

- Eu acho que vocês foram muito bobos em aceitar a situação - interveio Sonia. - Imagina arrumar um filho.

- Sabe, Sonia - Wanderley olhou pra todo mundo, - eu acho que a gente estava tão perdida na vida que uma notícia destas só faz mexer com seus maiores princípios. Vocês não imaginam - enfatizou Wanderley levantando-se e andando na sala, - como é difícil a vida de um casal gay. Estamos bem, Giu e eu? Estamos muito bem. Não precisa ninguém pensar diferente. Somos felizes por estarmos juntos, mas, há a grande falta que temos. Vocês não podem perceber o mal que tudo isso nos fez. Primeiro, fomos ambos casados, eu tive a infelicidade de ser casado com uma louca que abortou a única oportunidade que eu tive de ser pai. Não sei o que me passou pela mente quando Ligia abortou nem mesmo quando Berta nos disse que o filho era nosso. Brincadeira de mal gosto a parte, gostamos muito de Berta e ela passa a nos dever um filho daqui pra frente. Mas eu creio que vocês não conseguem entender a extensão da coisa - Wanderley respirou fundo. - Não há nada que possa suprir essa falta que temos. Não digo isso por mim ou Giu, essa falta que temos todos nós gays. É uma coisa muito louca, mas estamos sempre pensando em como vai ser a nossa velhice. O que fazer com o nosso eu jogado na latrina depois de velhos... Sabe, Marcelo, vocês já tem seu fruto, Julio e Rosalva, daqui a pouco... Nós dois, Giu e eu, temos somente a nós dois. Isso por enquanto, enquanto dura o tesão, dura o amor, dura essa coisa louca que a gente consegue manter que parece que estamos em lua-de-mel até hoje. Mas vai ser pra sempre? Tomara Deus. E se não for? Estaremos na mais completa solidão, pois nem herdeiros teremos... Há quem ache a vida de um gay uma coisa "plumosa" e "paetetosa". Não acreditem nisso! Jamais! E não me venham dizer: - Por que você escolheu, então, viver assim? E lhes responderei: - Não escolhemos viver assim! Somos assim! Não há como mudar a natureza. Não há como mudar a nossa natureza. Agora nos roubar o filho que nunca tivemos foi sacanagem grossa – terminou ele brincando com Berta e amenizando o discurso que fizera.

- Mas Wanderley - lembrou Berta, - foi uma brincadeira...

- Que como eu disse, de mal gosto e que nos deixou muito mal.

- Você sabe, Berta - interveio Giuliano, - que a gente quase se separou por causa desse bebê?

- Não era minha intenção - disse ela séria.

- Acredito - continuou Wanderley. - Acredito mesmo que não era sua intenção. Só que aconteceu. Nossa vida virou um inferno e depois que estruturamos tudo você vem e nos rouba o filho que nunca foi nosso.

- Eu acho que a gente devia falar de outra coisa - interferiu Júlio. – Primeiro acho que filho, vocês podem adotar um monte. Têm dinheiro pra isso e hoje a lei permite. Vocês são casados oficialmente. Arrumem uns filhos – ele riu. - Por que não falamos do casamento de Carmem?

- Eu acho ótimo - concordou Giuliano. - Acho que pelo menos alguém está feliz nessa casa.

- Mas eu também estou - lembrou Sonia. - Essa ideia que eu tive de trocar o Edelberto pelo Marquinho foi fantástica.

- Eu acho que na realidade, todos nós estamos bem - observou Berta. - Olha, não adianta vocês virem me dizer que estavam loucos pra ter um filho e etc e tal, que isso não convence. Eu sei que eu agi errado. Desculpem-me! Eu não queria que a coisa atingisse esse estágio. Por favor, acreditem. Eu tive muita raiva de vocês naquela noite, mas também fui culpada de deixar que bebessem tanto...

- Isso a gente é grande suficiente pra saber... - tentou dizer Giuliano.

- Não, não é por aí! - interferiu ela. - Vocês estavam realizando um sonho de muito tempo. Estar em Roma pela primeira vez é uma coisa que ninguém esquece nunca. Empolgação a parte, eu acabei com a viagem de vocês na hora em que acordaram e me viram dormindo na mesma cama. Acredito que as suas cabeças devem ter andado a mil. E eu sozinha naquela cidade, grávida de poucos dias sem saber o que fazer... Pra mim foi fácil pensar e resolver. Estaria tudo resolvido se o pai de meu filho não me tivesse procurado poucos dias antes de eu partir pro Brasil...

- Quer dizer que estaríamos assumindo o filho de outro cara sem sermos realmente pais? - perguntou Wanderley.

- Não, meu querido - explicou ela. - Eu amei vocês dois na juventude e continuo amando... Eu não faria nada desse tipo com vocês. Eu agi mal...

- Não quero me intrometer não – intrometeu-se Marcelo, - mas eu te mataria se fizesse isso comigo.

Todos riram e Marcelo continuou:

- Eu acredito que Giu e Wanderley querem tanto um filho e como sabem que não podem ter, devem adotar mesmo. Meninos, eu acho, no entanto - olhou para os amigos, - que vocês devem dar graças a Deus que o rebento não é de vocês. Criança é uma coisa muito chata!

- Querido - ralhou Margarida, - que isso?

- Há quantos dias não durmo, querida? - perguntou ele e todos riram. - Acha legal acordar todo dia com vontade de dormir?

- Meus amigos - começou Giuliano, - eu acho que nós estamos tentando justificar uma coisa que não tem mais como ser justificada. Gostamo-nos todos e acredito que continuaremos a gostar muito de Berta, apesar desse susto desagradável que ela nos deu, mas fazer o que? Melhor assim! Esclareceu-nos tudo e agora continuamos tios...

- Claro, continuamos tios - concordou Wanderley imponente. - Se você deixar, Berta, somos tios de seu filho.

- Mas que dúvida, Wanderley – ela sorriu. - Eu quero que a gente continue como era antes.

- Eu não sei - brincou Wanderley.

- Claro que sabe, Wanderley - corrigiu Giuliano. - Amamos Berta e a criança também, somos tios e pronto.

- Então vocês me perdoam? - perguntou ela.

- Claro - responderam os dois.

- Mas então temos que comemorar – levantou-se Julio. - Onde está a bebida, Sonia?

- Não sei... Quer dizer... Marquinho, a sua função aqui é servir bebidas, meu bem - ordenou ela brava ao namorado o que faz com que todos achem graça.

- Eu aprendi a fazer uma batatinha ótima em Cabo Frio - lembrou Carmem interrompendo a amiga, - vocês vão amar. Sonia eu posso ir com você pra cozinha?

- Claro, querida - respondeu a anfitriã.

- Eu vou também – se ofereceu Berta. - Quero aprender tudo o que houver de novidade no país pra levar pra Itália.

Enfim todas as mulheres saem em direção à cozinha, Marquinho fica com cara de bobo e Marcelo perguntou a Wanderley:

- Você realmente queria esse filho?

- Não, Marcelo. Eu não queria e nem mesmo Giuliano. Você sabe que a gente vive muito bem casado. Quando pintou a ideia de ter um filho, nós dois piramos. Creio que eu mais que Giu. Muito mais com certeza. Ligia abortou um filho meu. Deveria estar com...

- Não pensa nisso agora, Wanderley - interrompeu Marcelo. - O que passou não merece lembrança a não ser coisa boa.

- Você tem razão, Marcelo – ele sorriu. - Vamos saber por que essa bebida demora tanto?

Saíram da sala em direção à cozinha falando alto e pedindo o que comer e beber...

O FILHO DE BERTAWhere stories live. Discover now