No primeiro dia, depois do almoço, ficaram em casa conversando de coisas passadas e descansando da viagem. Giuliano dormiu um pouco e Berta e Wanderley conversaram na sala ouvindo músicas modernas italianas.
- Dificilmente tínhamos acesso a músicas modernas italianas no Brasil. Agora, por exemplo, há a febre de Laura Pausini, Eros Ramazzotti e brasileiros como Zizi Possi e Renato Russo cantando italiano – explicou ele.
- Mas continuam ouvindo Pepino di Capri e Rita Pavoni? – perguntou ela.
- Pois é, menina – ele riu. - Mas eu gosto muito.
- Eu também - concordou ela. - Mas me fale de você. O que tem feito?
- Trabalhado muito. Minha empresa agora está grande, a gente tem feito muita coisa. Claro que com esse tempo todo que já existe tinha que crescer – ele falava com orgulho da empresa.
- Que bom, Wanderley. E o povo todo? Nossos amigos?
- Estivemos outro dia reunidos na casa da Sonia – lembrou ele.
- Ela continua reunindo os amigos? Que legal! Isso me faz uma falta aqui enorme – ele sentia saudade. - Tenho muitos amigos já em Roma, mas não se tem tempo de parar e conversar. Raramente saímos juntos.
- Isso faz falta mesmo. Estiveram lá - continuou Wanderley, - Julio e a noiva, Marcelo e a esposa, Giuliano e eu.
- Julio namora a Rosalva. Casam-se quando? – perguntou ela.
- Segundo ela, ele está enrolando e o casamento não sai – disse Wanderley rindo.
- Que barato. Marcelo se casou com Margarida, não foi. Estão bem?
- Muito bem, pensando em ter neném.
- Olha, meu Deus, há quanto tempo eu não vejo esse povo todo? – via-se nos olhos de Berta lembranças boas do passado.
- Há quanto tempo você não vai ao Brasil?
- Três anos - respondeu Berta. - Morro de saudade, mas não tenho tempo de parar pra pensar no assunto.
- Bastante tempo...
- E você? Ligia está bem?
- Ligia vai ficar bem algum dia, Berta? - perguntou Wanderley. - Antes da gente vir ela foi internada em um hospital pra doenças mentais. Talvez quem sabe tenha alguma recuperação?
- Coitada. Mas ela continua perturbando você como fazia?
- Eu não aguento mais – desabafou ele. - Tem horas que tenho vontade de matá-la. Mas isso só complicaria mais a minha vida. Como pode acontecer uma coisa dessas, Berta? A gente era tão feliz enquanto namorava...
- Por isso que eu acho que casamento não dá – definiu ela.
- Mas dá, querida. Há casais que são perfeitos.
- Sim. Mas eu não entendo disso nada – justificou-se ela. - E Giuliano?
- Está ótimo. A ex- mulher vai se casar de novo.
- É mesmo? E ele quando soube?
- Ligou pra ela e disse que está muito contente. Eles se dão muito bem. Ela agora está morando em Cabo Frio.
- Cabo Frio? - perguntou Berta mais pra se chamar a atenção. - E aquilo lá continua lindo?
- Eu acho que sim. Depois que estamos juntos não voltei a Cabo Frio. Giuliano não gosta. Vamos sempre que dá pra Guarapari, ou outra praia do Espírito Santo.
- Eu amo Cabo Frio – suspirou Berta lembrando das praias e do calor do Brasil. - Aquele sol que você não sente por causa do vento e se ferra de tanto se queimar, mas a areia é extremamente branca, tudo é ótimo.
- Praia aqui? – perguntou ele.
- Praia aqui, querido? – zombou ela. – Quando temos tempo, no verão e, olhe lá, uma ou duas vezes por ano.
- Você está sempre trabalhando? - perguntou Wanderley.
- Direto. Tirei esses dois dias do fim de semana porque vocês iam chegar, mas segunda eu estou na luta de novo.
- Eu acho que a gente vai sentir falta do nosso pique - confabulou Wanderley. - Também não temos muito tempo pra nada, mas a vida está ótima.
- Wanderley, nossos amigos, quero saber, continuam amigos de vocês?
- Como assim? Porque a gente está junto? – perguntou ele. - Sim. Eu achava que seria muito difícil isso acontecer, mas sempre saímos em casais, claro, Giuliano e eu. Não tivemos problemas não.
- Que bom! Preocupa-me muito a vida de vocês – ela sorriu e pegou na mão dele. – Eu acho que vocês já passaram por situações desagradáveis em excesso e perder os amigos seria um pé no saco.
- Mas não aconteceu isso não. A gente passou a morar juntos e a convidar as pessoas pra vir visitar-nos – ele se lembrou. Foram chegando devagar e com o tempo estava tudo na mais perfeita ordem.
- Aqui, na Europa, é muito comum um casal de homens ou de mulheres, inclusive com adoção de filhos, mas no Brasil o preconceito ainda é grande.
- Muito grande – entristeceu-se ele ao pensar em filhos. - Não há um homossexual que consiga chegar a um bom posto se não for com muita luta e muito esforço. Lá a coisa é grave.
- Mas isso não importa – ela quis mudar de assunto. – Vocês estão bem e é o que interessa.
- Claro. E esse cara dorme demais, gente – lembrou-se ele de Giuliano. - Há duas horas está dormindo...
- Deixa pra lá, ou você já está com saudade?
- Não é isso - respondeu rindo Wanderley. – Na verdade, é bom que ele descanse.
- Claro, meu querido, a noite hoje vai ser legal, hem?
- Oba – interessou-se Wanderley. - Vamos já pra gandaia no primeiro dia?
- Você acha que vai ficar em casa? Casa é tudo igual. Vocês vieram conhecer Roma e tem que ser de dia e de noite.
Rindo os amigos continuaram conversando. Berta ao que tudo indicava estava contente de receber os amigos, mas não deixou de ter uma pontinha de vontade de estar com Wanderley e relembrar os velhos tempos. Agora era impossível. Ele estava casado e bem casado, e com um homem, que também era seu amigo. No mínimo, ele já não teria nem vontade de transar com ela. Se o fizesse também, mataria o amigo de ciúmes. Não, ela tinha de se controlar e ficar contente de ver, só ver e ficar perto. Daria um jeito, pensou ela.
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O FILHO DE BERTA
الفكاهةGiuliano e Wanderley são casados. Depois de vários desacertos nas suas vidas, inclusive casamentos heterossexuais, os dois, com os corações partidos, se encontraram em uma manhã, enquanto corriam na praça do Bairro Bom Pastor em Juiz de Fora. Amor a...