Capítulo XIV - Gustavo e Wanderley no bar

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Uma semana mais tarde, morando em um hotel, já que Wanderley recusara-se a voltar para casa dos pais, ele combinara com Gustavo de tomarem uma cerveja. Encontraram-se no mesmo bar da outra semana e Gustavo pode ver o chefe, que há uma semana não trabalhava, abatido, mas bem disposto.

-Como é que você está, chefe? - perguntou Gustavo sorrindo.

- Melhor - respondeu Wanderley também sorrindo do "chefe"- eu passei uma semana de cão, mas pensei bastante vi que não posso jogar a minha vida no lixo por causa de uma cadela.

- Que isso, Wanderley? Não fala assim – repreendeu Gustavo.

- Mas, Gustavo, o que posso dizer? Como posso me referir a uma mulher que de repente joga tudo fora? Assassina, é isso.

- Comprovaram que ela tomou remédio errado?

- Errado, não! Certo! Ela queria matar o meu filho. Você não sabe do que uma mulher é capaz – Wanderley estava calmo, mas mostrava muita raiva da ex-mulher.

- Não sei – o rapaz riu.

- Desculpe, eu não queria dizer isso – Wanderley ficou sem jeito.

- Não disse - respondeu Gustavo. - Eu não sei mesmo. Acho que nunca quis saber.

- Ela tomou além do Diazepan, creio para ter coragem, uma dose grande de hormônio que causou o abortamento. Não sei o que é. Não quis saber. Sei que ela fez o que queria para me maltratar...

- Mas não fique assim não - consolou Gustavo. - Você é jovem. Terá outros filhos...

- Desculpe-me, Gustavo, mas foi a gota d'água. Creio que não serei capaz de fazer nunca mais a mesma coisa – desabafou o chefe.

-Como assim? - perguntou Gustavo.

- Não sei se confiarei outra vez em outra mulher. Mas não vamos falar mais nisso. Como vai a firma? – perguntou ele.

- Ótima. Quer dizer, seria melhor se você estivesse lá todo esse tempo. As meninas andam tristes. Aliás, todo mundo. A vantagem de se trabalhar numa firma tão pequena é que as pessoas se gostam mais, se envolvem mais e acabam por sofrer juntas quando uma não vai bem.

- Eu creio que tenho que me desculpar com todos vocês. Larguei a firma nas suas mãos e nem me dei conta de que precisavam de mim.

- Sabíamos que você precisava mais de nós que nós de você mesmo. Mas você não nos deu telefone, meio de contato.

- Pois é, eu fui um egoísta, mesquinho mesmo – desculpou-se ele. – As pessoas amam as pessoas e as pessoas são responsáveis por esse amor. Mas acontecem coisas como aconteceu comigo e você fica como que desacreditando de tudo.

- Você vai se recuperar logo, Wanderley. Há muitas pessoas que gostam muito de você. Logo logo, você vai redescobrir o prazer de viver.

- Tomara que você esteja certo. Mas vamos brindar a uma grande coisa. Creio que por isso tudo que aconteceu a gente se tornou grandes amigos. É bom saber que há pessoas como você que se preocupam e querem ver as pessoas bem.

- Obrigado, pelo elogio. Também acho que conquistamos a amizade um do outro. Isso é muito importante.

- Você também me preocupa, querido.

- Eu? Mas por que?

- Pela nossa conversa daquela última vez. Eu naquele dia deitei e não consegui dormir pensando na sua vida e na sua solidão – explicou Wanderley.

- Não se preocupe comigo, por favor - pediu Gustavo sorrindo, - eu estou bem.

- Ótimo. Mas isso não é verdade. Você está tentando me deixar menos preocupado. Não se incomode. Eu gosto de me preocupar com os outros. Você é uma pessoa especial.

- Meu Deus! Ele ainda enche a minha bola.

- Você nem sabe como.

Bebem mais algumas cervejas e Wanderley que não se alimentava bem há dias, fica um pouco mais embriagado que o amigo.

- Você acha que a gente teria como ser feliz apesar do mundo ser como é? – perguntou Wanderley.

- O que você quer dizer, Wanderley?

- Eu quero dizer que há uma semana a minha vida mudou e começou a mudar depois que nós tivemos aquela conversa aqui. Eu tenho pensado muito em você. Não quero que você pense que eu estou tentando tapar o buraco que ficou na minha vida depois de tão grande perda, mas eu tenho pensado muito em tudo o que você me disse e acho que a gente teria alguma coisa que poderia dar certo, não sei como e nem o que é...

- Você está me cantando agora?

- Estou! - Wanderley sorri. - Nenhuma pior época poderia existir. Você vai pensar que eu estou carente de amor porque levei o maior ferro na minha relação, porque estou sozinho, porque um monte de coisas, mas não é nada disso. Eu estou a fim de você há uma semana. Quase que naquela sexta-feira eu teria te convidado a dormir comigo.

- Wanderley, você não acha que já bebeu um pouco demais? – perguntou assustado Gustavo.

- Gustavo, você parece uma velha. Você não acredita nas pessoas? Não há nada que possa ser real nisso que te digo?

- Pode, Wanderley - respondeu Gustavo. - Pode e não devia. Eu tenho muito medo de me envolver com as pessoas e você sabe disso. Eu tenho medo até mesmo dessa nossa amizade de repente acabar por pura bobagem de um envolvimento de mesa de bar.

- Gustavo, eu nunca me permiti pensar em ir para cama com um homem. Não sei como é que se faz, nem o que se faz. Não interessa! Gosto de você e queria muito poder trocar carinhos com você, sei lá, acho até que esse sei lá eu aprendi com você – Wanderley estava mais solto pela bebida.

- Wanderley, eu acho que a coisa está muito recente na sua cabeça. Você ainda está sofrendo muito tudo o que aconteceu... – tentou dissuadi-lo o rapaz.

- Eu posso te jurar – Wanderley foi enfático, - que eu quereria estar com você independente de tudo o que aconteceu. Não se subestime. Você é lindo e parece que deve ser uma delícia - riu. - Naquela sexta-feira, no serviço, no dia da tragédia, eu fiquei te observando trabalhar. Aliás, trabalhar, não. Como eu te observei...

- Eu não percebi... – Gustavo não sábia o que dizer.

- Vamos tomar a saidera? - perguntou Wanderley.

- Já? - perguntou Gustavo olhando o relógio. - É cedo.

- Eu sei - concordou Wanderley sorrindo ao amigo.

Pediram a última cerveja da noite e depois saíram. Foram para um motel e passaram juntos a noite toda.

Pela manhã, Wanderley deixou Gustavo em casa e seguiu para o seu hotel. Não havia tido jamais uma noite tão agradável. Não havia jamais conseguido ficar tão feliz após uma noite de amor. O que andara fazendo com esse monte de mulheres vazias que passaram pela sua vida? Não saberia responder. Chegou ao hotel, tomou banho, deitou-se e dormiu até a hora do almoço. Acordou e rapidamente tentou falar com Gustavo pelo celular, estava fora de área, ligou para a empresa, mas lhe informaram que o rapaz havia saído cedo, talvez estivesse ocupado resolvendo coisas da própria firma. Tentaria mais tarde.

O FILHO DE BERTAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora