Berta no CTI. Coma. O que é o coma? Quem já nos pode explicar o que a mente e o espírito fazem no coma? Ali parada, respirando, o sangue fluindo nas veias e o coração batendo. O que é o coma?
Berta voltara a ser criança. Corria pelo parque Halfeld sem se preocupar com o mundo lá fora. Ouvia sua mãe gritar, mas não se importava com o que ela dizia. Queria brincar, correr, pular... Queria se divertir e isso era o ponto principal daquela sua época.
De vestido branco, curto, as pernas grossas, corria pelos caminhos do parque, leve e solta. Sentia na pele o ar que vinha de todas as árvores e ouvia o canto dos pássaros. Não percebia na época, o quanto era belo e importante pra Juiz de Fora o parque Halfeld, apenas como fazem muitas crianças e pessoas normais passava e corria pela praça.
O lugar é lindo e vale a pena ser visto, ser visitado, sentar-se lá, estar lá. Não há quem não goste do parque Halfeld, e se não gosta, não passou por lá.
Berta corria, corria e de repente, o parque não era mais o mesmo. Começara a jorrar água e estátuas surgiram, a paisagem mudou e ela estava correndo ao redor da Fontana di Trevi, ainda criança. Mas ela não conheceu Fontana di Trevi quando era criança. Nem poderia ter estado ali naquela época. Então o que fazia a Berta criança na Fontana di Trevi?
E ela já não era mais criança, quando se observou. Era uma pessoa mais velha, muito velha, sentada na beirada da fonte, observando Roma passar... E se era uma velha, com certeza seria uma velha. Não teria que morrer ali, naquele CTI frio e impessoal.
Se tivesse que morrer ela iria morrer na Piazza di Spagna, Piazza San Pietro, Piazza San Marco, Colosseu, o cazzo a quatro, mas ali ela não morreria. Não podia se dar esse "desluxo". Tinha que ser chique até na hora da morte. Ela ia sair dessa e sair rápido.
Há dias estava em respiração espontânea, deixara o ventilador mecânico, mas não acordou, não se movimentou e sentiu que era hora de acordar.
Num momento de lucidez gritou a enfermeira:
- Mi piace um bicchiere d'acqua - disse ela em italiano.
- Mas a senhora não pode - respondeu a enfermeira. - Eu preciso chamar o doutor...
- Chame, minha filha. Eu quero tomar água e comer alguma coisa – ela olhou em volta. - E olhe, eu estou precisando de um banho...
- Minha filha, fique quietinha aí, eu vou chamar o doutor – assustou-se a enfermeira saindo rápido de perto do leito indo chamar o médico plantonista. - Não saia daí não, hem?
Berta, calma e paciente, cheia de cateteres nasal, venoso, sonda urinária, não ousou mexer-se da posição em que se encontrava. Ela estava ali de volta. Mas de volta de onde? Onde ela estivera todo esse tempo?
Lembra-se de Giuliano, Wanderley e de todos os amigos, mas... Lembra-se também de estar grávida. Onde estaria o nenê? O que fizeram com seu filho? Será que nasceu morto e por isso ela estava ali, isolada?
- Senhora - disse o médico plantonista, - o que houve?
- Não sei - disse ela calmamente. - Eu também gostaria de saber, doutor, o que aconteceu comigo.
- Você sabe quem você é?
- Sim, eu sou Berta, moro em Roma e vim pra esse hospital pra ter nenê. Onde está o meu nenê?- perguntou aflita.
- Calma, ele está bem. É um menino. Você ainda não pode vê-lo.
- Queria vê-lo, doutor, é possível?
- Berta, agora é madrugada. Você permaneceu em coma, desacordada - explicou o médico, - três dias. Eu acho que não seria legal trazer o seu filho aqui agora.
- Tem razão, doutor - concordou ela. - Eu fiquei muito mal, hem?
- Muito, Berta - concordou o médico. - Teve uma hemorragia muito grande e quase morreu. Mas agora está bem.
- E meus amigos? – perguntou.
- Que amigos? - perguntou o médico.
- Giuliano e Wanderley. Ele são os pais do meu filho...
- Berta, você está bem? - perguntou o médico.
- Claro, querido - respondeu ela. - Você acha que eu perdi o rumo, né? Eu estou legal.
- Não, eu preciso fazer exames...
- Tudo bem, doutor, mas eu gostaria de ver os meninos. Coitados, eles devem estar se culpando pelo fato d'eu estar aqui no CTI. Mas como eu vou sair daqui super-rapido...
- Senhora Berta - informou a enfermeira entrando, - a senhor precisa tomar uma medicação...
- Sim, senhora - aceitou Berta.
Tomada a medicação, Berta voltou a dormir. Agora dormia, não mais perdia-se no espaço em viagens mis. Agora ela retornou para o mundo e retornou para tomar pé de novo do que é seu.
Eu gostaria de tomar água.
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O FILHO DE BERTA
HumorGiuliano e Wanderley são casados. Depois de vários desacertos nas suas vidas, inclusive casamentos heterossexuais, os dois, com os corações partidos, se encontraram em uma manhã, enquanto corriam na praça do Bairro Bom Pastor em Juiz de Fora. Amor a...