Capítulo XLV - Berta sai do coma

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Berta no CTI. Coma. O que é o coma? Quem já nos pode explicar o que a mente e o espírito fazem no coma? Ali parada, respirando, o sangue fluindo nas veias e o coração batendo. O que é o coma?

Berta voltara a ser criança. Corria pelo parque Halfeld sem se preocupar com o mundo lá fora. Ouvia sua mãe gritar, mas não se importava com o que ela dizia. Queria brincar, correr, pular... Queria se divertir e isso era o ponto principal daquela sua época.

De vestido branco, curto, as pernas grossas, corria pelos caminhos do parque, leve e solta. Sentia na pele o ar que vinha de todas as árvores e ouvia o canto dos pássaros. Não percebia na época, o quanto era belo e importante pra Juiz de Fora o parque Halfeld, apenas como fazem muitas crianças e pessoas normais passava e corria pela praça.

O lugar é lindo e vale a pena ser visto, ser visitado, sentar-se lá, estar lá. Não há quem não goste do parque Halfeld, e se não gosta, não passou por lá.

Berta corria, corria e de repente, o parque não era mais o mesmo. Começara a jorrar água e estátuas surgiram, a paisagem mudou e ela estava correndo ao redor da Fontana di Trevi, ainda criança. Mas ela não conheceu Fontana di Trevi quando era criança. Nem poderia ter estado ali naquela época. Então o que fazia a Berta criança na Fontana di Trevi?

E ela já não era mais criança, quando se observou. Era uma pessoa mais velha, muito velha, sentada na beirada da fonte, observando Roma passar... E se era uma velha, com certeza seria uma velha. Não teria que morrer ali, naquele CTI frio e impessoal.

Se tivesse que morrer ela iria morrer na Piazza di Spagna, Piazza San Pietro, Piazza San Marco, Colosseu, o cazzo a quatro, mas ali ela não morreria. Não podia se dar esse "desluxo". Tinha que ser chique até na hora da morte. Ela ia sair dessa e sair rápido.

Há dias estava em respiração espontânea, deixara o ventilador mecânico, mas não acordou, não se movimentou e sentiu que era hora de acordar.

Num momento de lucidez gritou a enfermeira:

- Mi piace um bicchiere d'acqua - disse ela em italiano.

- Mas a senhora não pode - respondeu a enfermeira. - Eu preciso chamar o doutor...

- Chame, minha filha. Eu quero tomar água e comer alguma coisa – ela olhou em volta. - E olhe, eu estou precisando de um banho...

- Minha filha, fique quietinha aí, eu vou chamar o doutor – assustou-se a enfermeira saindo rápido de perto do leito indo chamar o médico plantonista. - Não saia daí não, hem?

Berta, calma e paciente, cheia de cateteres nasal, venoso, sonda urinária, não ousou mexer-se da posição em que se encontrava. Ela estava ali de volta. Mas de volta de onde? Onde ela estivera todo esse tempo?

Lembra-se de Giuliano, Wanderley e de todos os amigos, mas... Lembra-se também de estar grávida. Onde estaria o nenê? O que fizeram com seu filho? Será que nasceu morto e por isso ela estava ali, isolada?

- Senhora - disse o médico plantonista, - o que houve?

- Não sei - disse ela calmamente. - Eu também gostaria de saber, doutor, o que aconteceu comigo.

- Você sabe quem você é?

- Sim, eu sou Berta, moro em Roma e vim pra esse hospital pra ter nenê. Onde está o meu nenê?- perguntou aflita.

- Calma, ele está bem. É um menino. Você ainda não pode vê-lo.

- Queria vê-lo, doutor, é possível?

- Berta, agora é madrugada. Você permaneceu em coma, desacordada - explicou o médico, - três dias. Eu acho que não seria legal trazer o seu filho aqui agora.

- Tem razão, doutor - concordou ela. - Eu fiquei muito mal, hem?

- Muito, Berta - concordou o médico. - Teve uma hemorragia muito grande e quase morreu. Mas agora está bem.

- E meus amigos? – perguntou.

- Que amigos? - perguntou o médico.

- Giuliano e Wanderley. Ele são os pais do meu filho...

- Berta, você está bem? - perguntou o médico.

- Claro, querido - respondeu ela. - Você acha que eu perdi o rumo, né? Eu estou legal.

- Não, eu preciso fazer exames...

- Tudo bem, doutor, mas eu gostaria de ver os meninos. Coitados, eles devem estar se culpando pelo fato d'eu estar aqui no CTI. Mas como eu vou sair daqui super-rapido...

- Senhora Berta - informou a enfermeira entrando, - a senhor precisa tomar uma medicação...

- Sim, senhora - aceitou Berta.

Tomada a medicação, Berta voltou a dormir. Agora dormia, não mais perdia-se no espaço em viagens mis. Agora ela retornou para o mundo e retornou para tomar pé de novo do que é seu.


Eu gostaria de tomar água.

O FILHO DE BERTAWhere stories live. Discover now