Capítulo II - Wanderley no trabalho

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Wanderley estava no escritório como todos os dias, cheio de coisas para fazer. Vestia-se sempre com muita elegância, era um homem alto, moreno, possuía grandes olhos verdes e podia-se dizer muito bonito. Isso encantava homens e mulheres e ele se sentia muito bem consigo mesmo. Atleta desde os tempos de escola corria regularmente três a quatro vezes por semana o que lhe garantia um físico de dar inveja.

Naquele dia em especial, Wanderley não estava totalmente feliz. Havia alguma coisa no ar e ele sabia que não era somente intuição. Sabia que aconteceria algo desagradável, que talvez estivesse fora de seu controle. E sem mais nem menos, à tarde lhe apareceu Ligia, sua ex-mulher, procurando por ele no escritório. Ele sabia que a mulher não viera visitá-lo com bons pretextos, é claro, no mínimo, tentaria uma nova forma de voltar ao que nunca foram e que ela não se desprendera jamais. Ao vê-la, Wanderley tentou manter a calma e foi recebê-la na porta com um grande sorriso.

- Ligia, que prazer vê-la aqui.

- Que isso, Wanderley, prazer em ver-me? Por acaso seu casamento está mal assim?

- Claro que não, Ligia. Venha a minha sala - respondeu o rapaz.

Entrando na sala, Wanderley fechou a porta e sentando-se perguntou a ex-esposa:

- O que você quer?

- Nossa, meu bem, eu queria te ver. Fiz mal em vir aqui?

- Você sempre faz mal em vir aqui, e sabe disso.

- Meu Deus! Só por que eu sou mulher e você não gosta mais disso?

- Ligia, por favor não recomece. O que você quer?

- Eu quero você! Você sabe disso. Sabe que eu não vou, nunca na vida, perder você para um homem. Se é que se pode chamar aquilo de homem.

- Por que hoje, Ligia? Por que você apareceu aqui hoje?

- Que diferença faz? - perguntou a mulher sentando-se sobre a mesa do rapaz. - Hoje, amanhã, ontem, não me importa, querido, eu quero você e não adianta você vir me dizendo que é gay, que é o diabo a quatro, eu tive você na cama e sei que você é ótimo com uma mulher.

Nesse momento, Wanderley percebeu que a mulher estava bêbada. Não sabia como agir com ela para evitar um escândalo na firma.

- Querida, por favor, eu creio que você devia ir embora e a gente conversaria mais tarde. O que acha?

- Eu, ir embora? Só se for com você. Aliás, eu quero mais é ficar aqui com você e transar naquela mesa ali, olha.

- Ligia, você está sendo desagradável. Eu estou trabalhando e meus empregados podem nos ouvir...

- Não me interessa! Eu quero você comigo. Você é homem, Wanderley, você é um cara macho. Eu sei por que eu tive você na cama. Eu adoro você.

- Ligia, isso já passou. Nós não queremos confusão aqui, não é?

- Eu quero confusão em qualquer lugar. Eu quero você!

- Para de gritar, Ligia - pediu Wanderley nervoso. - Eu não posso ficar com você aqui desse jeito. Vou levar você em casa.

- Não! Você não pode me deixar em casa e sair. Vai ter que ficar e transar comigo.

- Eu vou te levar em casa, Ligia.

- E vai ficar comigo.

- Eu vou te levar em casa, Ligia.

- Você é ruim! Você não gosta de mim.

- Gosto, Ligia. Mas eu gosto de você diferente. Não quero mais ir para cama com você. Eu vou te levar em casa.

- Ah, você é um banana. Eu vou sozinha. Não preciso de nenhum maricas me acompanhando. Volta lá para o seu namorado. Eu vou embora sozinha.

Saiu batendo a porta e Wanderley, sozinho no escritório, chorou de raiva. Não sabe mais o que fazer com a ex- esposa que vive a lhe atormentar. A mulher encontrava-se descontrolada e ele via, a cada dia, crescer a sua homofobia. Ela estava cada vez pior. Procurava por ele quase todos os dias e quando não fazia chantagem emocional, chorava e ofendia o rapaz, a sua família e amigos. Não era como a esposa de Giuliano, Carmem. Ela sempre foi a mulher ideal na vida dos dois. Ela convivia com o amor dos dois sem problemas, sem maiores dificuldades. Agora Ligia, sempre fora a mais desajustada das pessoas que Wanderley conhecera. Sempre problemática, talvez tenha se casado para ficar livre da tirania materna que era e continuou por um bom tempo um sufocante. Wanderley não sabia por que se casara. Talvez aquela infância naquele bairro pobre lhe indicasse o caminho. Havia ele de se casar e ter filhos e ter lar e ter esposa e ter tudo que um homem "normal" tem que ter. E ele na época talvez nem sonhasse em saber o que é e o que não é um homem normal. O que é normal? Pensava ele. Um homem gostar de uma mulher? Um homem sacrificar uma mulher ao ponto de ser sua quase escrava? O que é normal? Um homem ter uma mulher pensando em estar com outros homens? Um homem ter um homem porque lhe faz bem, lhe dá prazer, apesar de todos os preconceitos e ideias malucas que a humanidade carrega? O que é normal?

Wanderley, em épocas de adolescente já trazia essas ideias de ser feliz com amigos que nunca tivera, de ser um garanhão na cama de mulheres que nunca ousara ter, de ser o maior líder de coisas que nunca soubera liderar.

E ele estava ali. Parado no seu escritório, perdido sem saber o que fazer depois de um bando de asneiras que a ex-esposa lhe dissera. Ela o chamara de maricas. Faltou pouco a lhe chamar de viado. Vindo dela, que coisa mais infame. Ela era muito infeliz.

Claro que ele era feliz ao lado de Giuliano. Não eram de jeito algum dois pervertidos como achavam Ligia e sua mãe. Eram dois homens que gostavam e homens e por isso estavam juntos, moravam juntos e se amavam demais. Wanderley custou muito para não achar errado viver uma relação com outro homem. Crescera em um lar católico onde tudo era errado e tudo era pecado. Os pais eram ativos na igreja e o padre frequentava sua casa. Ele sempre ouvira falar no fogo do inferno. E o fogo do inferno, talvez não fosse tão ruim. Ele amava demais o companheiro e a si mesmo para não permitir que incidentes repetitivos como esse perturbassem a sua vida. Ele era o que sempre fora. Ah, férias benditas, malditas por estarem tão longe, por que não chegam?

Por que o mundo ainda se presta a esses rompantes de homofobia que levam a morte de tantos jovens e adultos. Como há pessoas que sofrem por não poder se assumir e ter que viver uma relação que não as completa ou se esconder dentro de um casulo e sorrir para a sociedade hipócrita.

Wanderley estava ali parado na sua sala sem saber o que fazer com o ódio da ex-esposa.

O FILHO DE BERTAWhere stories live. Discover now