Mais tarde, foram novamente no hospital e encontraram com Sonia que também estivera ali pra saber notícias da amiga.
- E então, meninos - perguntou ela, - já souberam notícias do bebê?
- Sim, a gente esteve aqui toda a manhã - respondeu Wanderley. – Ele está bem. Você soube agora como está Berta?
- O médico me disse que continua na mesma. Sedada, apagada mesmo e eles não falam com ninguém.
- Que droga! - desabafou Giuliano. - A gente queria vê-la.
- Até que ver, tudo bem, mas ela está desacordada - respondeu Sonia.
- Você acha que ainda tem jeito, Sonia? - perguntou Giuliano.
- Meninos, não desanimem. Tudo pode dar certo! Vamos ter fé em Deus que tudo se resolverá mais cedo ou mais tarde.
- Assim esperamos, Sonia – Giuliano suspirou fundo.- Nós vamos lá pra vê-la assim mesmo. Tá na hora da visita ao CTI.
- Vão sim. Se precisarem de alguma coisa, sei lá, conversar, companhia pra tomar uma cerveja e desabafar, contem comigo. É só ligar.
- Um beijo, Sonia – despedem-se. - A gente se fala.
A amiga saiu e eles entraram no hospital. Hospital sempre tem um cheiro de hospital, uma aparência de hospital, um tudo demais de hospital pra quem não vive ali dentro o dia inteiro. Desceram ao CTI ainda no horário de visitas entraram, um de cada vez pra ver a amiga.
Giuliano foi o primeiro a entrar. Chegou ao leito e a amiga estava sedada, intubada e ligada a aparelhos. Dormia, sob efeito de remédios, uma veia puncionada no pescoço, monitor cardíaco tocando o seu tétrico: bip... bip... bip... Giuliano via a cena como vira a da irmã na mesma situação anos atrás. Será que ela verá o filho? Será que terá o prazer de pegar a criança no colo? Ou será que nem sairá dali? Perguntas e mais perguntas que não poderia responder, só o tempo.
Wanderley quando entrou, quase chorou, não conseguiu ficar muito tempo ao lado da amiga. Sentiu-se tão infeliz de pensar na ex-mulher, no dia em que naquele mesmo hospital ela tivera o aborto e acabara de vez com suas esperanças de ser pai. Aquele dia ele queria matá-la ali naquele lugar. Hoje faria tudo pra salvar a vida da amiga, mãe de seu filho.
Saíram do hospital após reverem o filho e no carro, depois de alguns minutos em silêncio, Wanderley falou:
- Eu acho que ela vai sair bem.
- Eu espero muito – Giuliano disse como se soltasse um peso amarrado no peito. - Não sei o que pensar disso, meu amigo.
- Giu, a gente podia andar um pouco pela cidade?
- Claro. Onde você quer ir? - perguntou o amigo ao volante.
- Em lugar nenhum - respondeu Wanderley. - Vai andando e deixa correr. Acho que a gente vai relaxar um pouco. Vou botar uma musiquinha legal e a gente vai vendo a cidade e falando o que vier na cabeça.
- Acho ótimo, querido.
Enquanto rodavam de carro, no CTI, Berta passava por momentos terríveis de delírios e pesadelos.
Estava ela andando nua pelas ruas de Roma. Via todo mundo e não era vista por ninguém. Falava e não era ouvida. Passavam pessoas por ela e, como se nada houvesse naquele lugar, continuavam seus caminhos por mais que ela implorasse atenção. Corria e corria feito louca e em nenhum lugar chegava.
De repente, encontrou-se num descampado sozinha e a seus pés foram aparecendo crianças, recém- natos, um, dois anos e todos chorando e clamando pela sua atenção, como se ela fosse mãe de todos eles. Ela gritava e não conseguia ouvir o próprio grito. Estava para se desesperar quando viu a figura de um homem que indicava pra ela um caminho a seguir.
Tentou acompanhar de perto o homem que não reconheceu e, já há muito, o perdera de vista. Continuou caminhando e caiu em um longo e escuro buraco. Escorregava pra dentro da terra e não conseguia se firmar em nada pra poder parar aquela queda vertiginosa. Bateu então em uma pedra que servia de fundo àquela grota e o corpo todo lhe doía. Tentava ver em volta, mas só a escuridão lhe era reservada.
Chorava muito, chorava e tentava falar, mas a voz não lhe vinha na garganta e ela então mais uma vez adormeceu e tudo se fez escuro e paz.
- Coitada - disse a enfermeira ao médico de plantão, - está tão agitada, parece até que está sonhando com coisas perigosas.
- Ela está em coma, não estará sonhando com nada – explicou ríspido o médico do plantão. - Vi agora os resultados dos exames e estão péssimos. Talvez deva receber nova transfusão de glóbulos pela manhã.
- É muito grave, doutor? - perguntou a enfermeira.
- Muito. Mas ela verá o filho, se Deus quiser.
Continuou o médico com o exame dos pacientes do CTI, e Berta agora dormia sedada, aguardando que o seu próprio organismo ajudasse a medicação que lhe era administrada.
Giuliano cansou de dirigir pelas ruas e então parou o carro num bar da estrada.
- Gosto muito de vir aqui - observou Wanderley. - O "Lua Bonita" é sempre um lugar que vale a pena vir.
- Eu vinha aqui muito mais vezes - lembrou Giuliano. - Hoje eu não estava com nenhum lugar em mente pra ir. Vamos tomar umas cervejas?
- Vamos! Eu acho que a gente está precisando.
Sem do carro e entram no bar-restaurante. Conhecem o dono do bar e vários garçons. Sentam-se a uma mesa fora do bar, aproveitando que a noite está quente e quando são servidos Wanderley disse:
- Se ela não sair do CTI, a gente tem que tomar providências quanto ao registro da criança.
- Eu não sei o que ela disse a família - ponderou Giuliano. - A gente vai ter que conversar com eles e registrar esse menino. Mas acho que devemos esperar um pouco mais.
- É claro, ela vai ficar boa.
- Com certeza - disse Giuliano oferecendo o copo ao brinde com o amigo. - A Berta.
Beberam algumas cervejas, comeram uma boa carne e tarde da noite saíram pra voltar pra casa. Estavam bem, preocupados, claro, mas bem. Não teriam problemas em resolver a vida da criança se fosse preciso, tinham agora uma impotência total em relação a resolver a vida da amiga. Não podiam fazer nada, só esperar.
"Lua Bonita"- Bar na BR040, próximo a entrada pra Juiz de Fora de quem vem do Rio de Janeiro, hoje "Queijaria São Luiz".
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O FILHO DE BERTA
הומורGiuliano e Wanderley são casados. Depois de vários desacertos nas suas vidas, inclusive casamentos heterossexuais, os dois, com os corações partidos, se encontraram em uma manhã, enquanto corriam na praça do Bairro Bom Pastor em Juiz de Fora. Amor a...