No dia seguinte foram visitar Berta. A moça, avisada, aguardava os amigos com o melhor sorriso do mundo.
- Que bom que vieram - recebeu ela. - Queria mesmo mostrar pra vocês as roupinhas que comprei hoje pro nenê.
- Mas, Berta, mais? - perguntou Giuliano.
- Mais? Claro, você quer que nosso filho seja malvestido? - perguntou ela sorrindo.
- Claro que não, querida, mas já tem tanta coisa - argumentou Giuliano.
- E é sobre isso mesmo que viemos conversar com você - interompeu Wanderley sério.
- Nossa! O que houve? - perguntou ela também séria.
- Berta, a gente está quase enlouquecendo de pensar no nenê. Não sabemos muito sobre o que pensar - começou Wanderley, - mas como estamos perdidos no assunto, viemos aqui tentar conversar com você sobre o que você pretende, sobre como nós vamos entrar na história, sei lá.
- Mas gente, o que é que "'tá pegando"? - perguntou ela.
- O que está pegando? - repetiu Giuliano. - O que você pretende fazer com seu filho em relação a nós dois?
- Dá-lo pra vocês. - respondeu ela.
- Como é que é? - perguntaram os dois.
- Sim, queridos, vocês são os pais. Nada mais justo que vocês cuidem dele aqui no Brasil enquanto eu trabalho e vivo a minha vida na Europa que é o meu lugar.
- Ah, não! Que isso, Berta? - perguntou Giuliano.
- A nossa preocupação com essa criança, vivendo com a mãe odiar o fato de ter dois pais homossexuais e casados já era grande, imagina agora ela ir morar conosco e ter dois pais e nenhuma mãe, porque você foi embora - desabafou Wanderley.
- E o que você quer que eu faça? - perguntou ela nervosa. - Por acaso quer que eu também permaneça no Brasil e crie o meu filho? Por acaso pensam que seria legal pra eu casar-me com vocês dois e fazermos uma belíssima família moderna. Não! Eu ficar no Brasil é impossível. Vocês mudarem-se pra Itália não tem nada a ver, e no fim das contas, também essa criança não tem nada a ver.
- Berta, o que é isso?- perguntou Wanderley assustado. - A gente está curtindo tanto o fato de que essa criança existe...
- Eu sei, Wanderley. Compreendo tudo isso, Giuliano. Mas o que vocês não entendem é que eu não posso me permitir viver com vocês, amando os dois e sem ter nenhum dos dois. É muito difícil pra uma mulher estar na situação em que estou, mas eu estou e agora também eu não sei o que fazer.
- Seus pais, irmãs, o que pensam? - perguntou Giuliano.
- Não sei! Creio que devem achar que é de um de vocês. De qual, nunca perguntaram.
- E quando o nenê nascer? - perguntou Wanderley.
- Fica tudo do mesmo jeito meninos. Vocês estão se preocupando demais com coisas que não têm de se preocupar. Eu vou ter o meu filho - explicou Berta, - e vou criá-lo. Vocês não precisam ter medo de que eu vá entregá-lo a vocês. Sei o tipo de vida que têm e que não têm tempo pra se dedicarem a uma criança, mas não sejam preconceituosos com vocês mesmos. Vocês têm capacidade pra cuidar de uma criança? Claro que têm. A criança vai ser traumatizada, louca, sei lá o que, por que tem dois pais e só uma mãe? Não sei! Não sabe ninguém o que pode acontecer com uma criança por mais normal que seja tudo ao seu redor.
- Mas, Berta - perguntou Wanderley. - A gente vai entrar nessa história de que jeito?
- Não pensei nisso ainda, Wanderley. Que coisa! Pensei até em dizer pra criança que vocês eram tios, pai não tem jeito.
- Como não, Berta? - perguntou Giuliano.
- Como sim, Giu? Se eu disser pra ela que um é o pai, o outro com certeza vai ficar com raiva e vice-versa. Eu não quero separar vocês por causa disso não.
- A gente pode tirar no cara-e-coroa - brincou Giuliano.
- Como é que é? - perguntam juntos Wanderley e Berta.
- Sim, cara-e-coroa. Nós dois – Giuliano sorriu a Wanderley, - o que ganhar assume a paternidade e o outro a "tiedade".
- Giu, você é muito louco - riu Wanderley. - Mas podemos pensar que isso seja realmente uma solução.
- Vocês não podem estar falando em definir o pai de meu filho no cara-e-coroa – Berta disse aborrecida. - Vocês estão mais loucos do que pensei.
- Não, Berta. Há os trâmites legais de um nascimento, certidão de nascimento, registro, essas coisas. Eu sei que há pessoas que registram os filhos com datas diferentes no cartório e na igreja, mas nunca houve casos de pais diferentes no cartório e na igreja.
- Giuliano, para de falar – Berta foi firme. - Deixe-me pensar um pouco nisso. Eu não acreditei que vocês quisessem tanto esse filho. Imaginei realmente que vocês diriam que eu era louca e que não queriam realmente assumir nada. Sei lá mais o que pensei.
- A gente gosta mesmo dessa ideia de ser pai, Berta – começou Wanderley. - Acho que isso atrapalha o nosso dia-a-dia, porque queremos demais essa criança.
- Eu preciso pensar. Me deem um tempo - pediu Berta. - A gente vai se falar mais um monte de vezes. Vamos chegar num acordo, queridos. Mas eu continuo amando muito vocês.
Sem muito mais o que discutir Wanderley e Giuliano saíram da casa de Berta e voltaram pra casa. Calados no caminho, cada um tinha em mente uma coisa diferente da do outro. Não pensavam jamais em se separarem pra ficarem com a criança e Berta, mas imaginaram mudando-se pra Roma, imaginaram Berta ficando de vez no Brasil. Não sabiam mais no que pensar.
JE LEEST
O FILHO DE BERTA
HumorGiuliano e Wanderley são casados. Depois de vários desacertos nas suas vidas, inclusive casamentos heterossexuais, os dois, com os corações partidos, se encontraram em uma manhã, enquanto corriam na praça do Bairro Bom Pastor em Juiz de Fora. Amor a...