Capítulo XXXVIII

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- Eu acho que a gente podia ir correr - convidou Giuliano a Wanderley chegando em casa.

- Correr? - perguntou Wanderley. - Agora? É quase hora do almoço, tem um sol que só Deus dá.

- Não sei, a gente podia enquanto corre conversar um pouco. Acho que há muito tempo não damos uma corridinha juntos. Vamos? - insistiu Giuliano.

- Ok, vou me trocar.

Voltaram a sala juntos só de calção, tênis e meia.

- Há quanto tempo não corremos juntos? - perguntou Wanderley.

- Não sei - respondeu Giuliano. - Você sempre corre de manhã e eu à tarde. Precisamos mudar isso.

- Sempre nos dissemos isso, querido. Nunca um tem tempo ou disponibilidade de acompanhar o outro.

Saíram correndo. A Avenida Independência no sentido Centro - Universidade é a preferida de muitos corredores.

Ao contrário do que havia proposto Giuliano, correram calados um bom tempo. Subiram a avenida toda e continuaram rumo a Universidade. Deram duas voltas no lago e então, Giuliano parou. Olhou o amigo e disse:

- Eu acho que a gente está precisando mudar isso.

- Mudar o que? - perguntou Wanderley também parando perto do amigo.

- Mudar o que está mudado - explicou ele. - A gente não corre mais juntos, a gente não vai a um cinema mais juntos, a gente não sai pra jantar mais juntos - dizia tudo enquanto alongava pernas e braços. - A gente não pode deixar se perder por mil coisas que nos atrapalham...

- Você quer dizer o nenê? - perguntou Wanderley.

- Não, Wanderley. Não só! Nosso trabalho nos obriga a almoçar separados, nosso dia-a-dia, nas nossas firmas, nos obriga por vezes a passar dias sem nos ver, há muito não acontece isso, graças a Deus, mas eu tenho que visitar a minha família, você não pode ir junto porque a sua mãe resolveu visitar-nos e vai ficar uns dias conosco. De outra feita você vai pra sua casa e eu estou com um compromisso importante... A gente tem de mudar isso.

- Mas como, Giu?

- Não sei, Wanderley. Por isso hoje eu te chamei pra correr justo numa hora em que nenhum dos dois gosta de correr. É meio-dia agora, querido. Não há uma viva-alma que seja louca, como nós dois, para estar aqui sob esse sol correndo.

- Eu sei. Também achei loucura correr nesse horário, mas você chamou. E agora a gente está vendo o quanto foi bom ter vindo até aqui.

- Excelente. Essa universidade é linda e a gente não percebe isso.

- E você também é lindo e eu continuo percebendo isso.

- E você é bobo e eu sempre soube disso.

- Giu, eu acho que você está certo. Acho que nós dois estamos perdendo tempo com bobagens que não podem no atingir. Meu Deus, estamos juntos há tanto tempo e nesse tempo todo temos feito cada coisa ótima. De repente, perdemos o interesse em nós mesmos? Não! A gente continua se amando demais e deixando de lado a vida que temos pra viver.

- É isso que eu queria que você visse, Wanderley. Queria que você se lembrasse que a nossa vida é nossa e que eu quase também me esquecia. Temos que voltar a paz e a tranquilidade que tínhamos antes de tudo isso. Não só pela criança, já disse, mas também por tudo o que fazemos. Eu deveria estar na empresa agora às treze horas. Não vou. Vou telefonar e avisar que estou em cima...

- Eu também não vou trabalhar agora. Vou avisar que estou aqui em cima namorando você.

- Nossos empregados, com certeza, vão achar o máximo. Os meus já estão percebendo essa nossa distância.

- Acho que tá todo mundo percebendo que tem algo errado. E nós não podemos deixar que isso continue.

- Se nós não estivéssemos em um lugar público, eu juro que te beijava agora.

- Mas estamos, e podemos nos beijar aqui, como também não estar mais.

- Como assim?

- Podemos voltar correndo pra casa. Meia hora?

- Acho que sim. Vamos embora.

Antes de começar a correr, Giuliano beija a boca de Wanderley sob o sol escaldante qua assola a universidade federal. Os alunos que passavam não deram a mínima atenção.

Voltaram a correr morro abaixo agora já falando mais de planos pro futuro. Pensam em mudar de carros, em comprar uma casa na praia, em sair de férias tão logo o nenê cresça um pouquinho. Enfim voltam correndo e brincando como há muito tempo não faziam. O que vão fazer da tarde? Talvez amor, talvez só continuar namorando, isso não interessa muito.

O FILHO DE BERTAWhere stories live. Discover now