- Eu acho que a gente podia ir correr - convidou Giuliano a Wanderley chegando em casa.
- Correr? - perguntou Wanderley. - Agora? É quase hora do almoço, tem um sol que só Deus dá.
- Não sei, a gente podia enquanto corre conversar um pouco. Acho que há muito tempo não damos uma corridinha juntos. Vamos? - insistiu Giuliano.
- Ok, vou me trocar.
Voltaram a sala juntos só de calção, tênis e meia.
- Há quanto tempo não corremos juntos? - perguntou Wanderley.
- Não sei - respondeu Giuliano. - Você sempre corre de manhã e eu à tarde. Precisamos mudar isso.
- Sempre nos dissemos isso, querido. Nunca um tem tempo ou disponibilidade de acompanhar o outro.
Saíram correndo. A Avenida Independência no sentido Centro - Universidade é a preferida de muitos corredores.
Ao contrário do que havia proposto Giuliano, correram calados um bom tempo. Subiram a avenida toda e continuaram rumo a Universidade. Deram duas voltas no lago e então, Giuliano parou. Olhou o amigo e disse:
- Eu acho que a gente está precisando mudar isso.
- Mudar o que? - perguntou Wanderley também parando perto do amigo.
- Mudar o que está mudado - explicou ele. - A gente não corre mais juntos, a gente não vai a um cinema mais juntos, a gente não sai pra jantar mais juntos - dizia tudo enquanto alongava pernas e braços. - A gente não pode deixar se perder por mil coisas que nos atrapalham...
- Você quer dizer o nenê? - perguntou Wanderley.
- Não, Wanderley. Não só! Nosso trabalho nos obriga a almoçar separados, nosso dia-a-dia, nas nossas firmas, nos obriga por vezes a passar dias sem nos ver, há muito não acontece isso, graças a Deus, mas eu tenho que visitar a minha família, você não pode ir junto porque a sua mãe resolveu visitar-nos e vai ficar uns dias conosco. De outra feita você vai pra sua casa e eu estou com um compromisso importante... A gente tem de mudar isso.
- Mas como, Giu?
- Não sei, Wanderley. Por isso hoje eu te chamei pra correr justo numa hora em que nenhum dos dois gosta de correr. É meio-dia agora, querido. Não há uma viva-alma que seja louca, como nós dois, para estar aqui sob esse sol correndo.
- Eu sei. Também achei loucura correr nesse horário, mas você chamou. E agora a gente está vendo o quanto foi bom ter vindo até aqui.
- Excelente. Essa universidade é linda e a gente não percebe isso.
- E você também é lindo e eu continuo percebendo isso.
- E você é bobo e eu sempre soube disso.
- Giu, eu acho que você está certo. Acho que nós dois estamos perdendo tempo com bobagens que não podem no atingir. Meu Deus, estamos juntos há tanto tempo e nesse tempo todo temos feito cada coisa ótima. De repente, perdemos o interesse em nós mesmos? Não! A gente continua se amando demais e deixando de lado a vida que temos pra viver.
- É isso que eu queria que você visse, Wanderley. Queria que você se lembrasse que a nossa vida é nossa e que eu quase também me esquecia. Temos que voltar a paz e a tranquilidade que tínhamos antes de tudo isso. Não só pela criança, já disse, mas também por tudo o que fazemos. Eu deveria estar na empresa agora às treze horas. Não vou. Vou telefonar e avisar que estou em cima...
- Eu também não vou trabalhar agora. Vou avisar que estou aqui em cima namorando você.
- Nossos empregados, com certeza, vão achar o máximo. Os meus já estão percebendo essa nossa distância.
- Acho que tá todo mundo percebendo que tem algo errado. E nós não podemos deixar que isso continue.
- Se nós não estivéssemos em um lugar público, eu juro que te beijava agora.
- Mas estamos, e podemos nos beijar aqui, como também não estar mais.
- Como assim?
- Podemos voltar correndo pra casa. Meia hora?
- Acho que sim. Vamos embora.
Antes de começar a correr, Giuliano beija a boca de Wanderley sob o sol escaldante qua assola a universidade federal. Os alunos que passavam não deram a mínima atenção.
Voltaram a correr morro abaixo agora já falando mais de planos pro futuro. Pensam em mudar de carros, em comprar uma casa na praia, em sair de férias tão logo o nenê cresça um pouquinho. Enfim voltam correndo e brincando como há muito tempo não faziam. O que vão fazer da tarde? Talvez amor, talvez só continuar namorando, isso não interessa muito.
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O FILHO DE BERTA
HumorGiuliano e Wanderley são casados. Depois de vários desacertos nas suas vidas, inclusive casamentos heterossexuais, os dois, com os corações partidos, se encontraram em uma manhã, enquanto corriam na praça do Bairro Bom Pastor em Juiz de Fora. Amor a...