No carro, na volta, permaneceram calados até que Wanderley comentou novamente a respeito da estadia de Berta:
- Você então acha que ela vai se demorar pouco no Brasil?
- Acho, não, tenho certeza – respondeu Giuliano. - Você acha que ela vai largar aquela vida intensa e louca que leva na Itália e voltar a viver no Brasil por causa de um filho?
- Não, Giuliano, mas ela podia demorar um pouco... Tem o neném... Sei lá... – titubeou o rapaz.
- É o que eu te falo, Wanderley, você está sonhando com a coisa de forma errada – enfatizou Giuliano olhando para o marido. - Berta espera um filho de um de nós dois, mas esse filho é dela. Ela não vai nos impor nenhuma obrigação como pais, mas não vai nos deixar cuidar dele.
- Eu sei - disse Wanderley. – Eu sou um bobo.
- Nós teremos futuramente um filho morando em Roma. Nada mais que isso. Se voltarmos a vê-lo vai ser uma dádiva divina. Eu não acredito nisso. Acho que ela volta e vai viver a sua vida em paz com o filho e se esquecerá de nós – concluiu ele.
- Será, Giuliano? - perguntou Wanderley. - Ah, mas aí não tem graça.
- E o que tem graça, meu querido? - perguntou Giuliano rindo.
- Sei lá, Giu. Eu acho que estou mesmo sonhando demais.
- Eu acho, Wanderley, que nós todos sonhamos demais, mas nunca podemos perder a consciência de que somos diferentes. Não somos como o resto do mundo onde uma família está encaixada no dia a dia. Não é pelo fato de sermos homossexuais, nós somos diferentes! Trabalhamos muito, temos uma vida organizada só para nós dois. Devemos nos dar por satisfeitos de termos um relacionamento como o nosso. Muitos gays estão numa solidão do caramba e sofrem pra burro com o que vivem.
Como Wanderley não disse nada, Giuliano continuou:
- Muitos não têm uma vida bem estruturada. Os gays do mundo fazem passeatas, fazem congressos hoje em dia, mas não se impõem à sociedade porque uma grande maioria deteriora o fato de ser homossexual.
- Como assim, Giu? - perguntou Wanderley.
- Como assim? Vou te mostrar.
Giuliano dirigiu pelas ruas da cidade e entrou em ruas pouco frequentáveis e foi perguntando a Wanderley quando viram os primeiros grupos de travestis se prostituindo na noite:
- Você acha que essas bichas-loucas, como a sociedade os chama, têm como se impor? São caricatas e fazem questão de se rebaixar – explicou ele. – São prostitutas que não se dão o respeito. Mas por que isso acontece? Você sabe?
- Claro que não - respondeu Wanderley.
- Eu não tenho nada contra elas, mas isso depõe contra a raça – definiu ele. – Todo ser humano que não se dá o devido respeito não é respeitado. Esses homens e mulheres que se prostituem nas ruas por qualquer dois vintém, não são homens não são mulheres, deixam de ser seres humanos, mas acham que estão sendo respeitadas por esse sem-número de velhos assanhados que não têm competência pra assumir suas taras e procuram por um travesti, por uma prostituta, para resolverem suas taras.
- Mas você fala de travestis... – questionou Wanderley.
- Não os condeno. Por favor, me entenda. Creio que o fato de um cara se vestir de mulher, se sentir bem enchendo o corpo de silicone, hormônios ou o que quiser, depende unicamente da cabeça dele. O que eu condeno é essa falta de respeito do ser humano que está ali e que se eles próprios não se estruturarem e se derem o respeito jamais conseguirão qualquer coisa.
- Eu nunca pensei assim - disse Wanderley.
- Pois é, mas é assim que acontece. Acontece com o travesti, com essas "bichas", acontece com mulheres. É igual! Tem prostituta que frequenta altas rodas e ninguém pode falar nada. São damas da sociedade e fazem exatamente o que fazem as das baixas ruas de nossa cidade. Qual a diferença? Umas se respeitam e se impõem. Outras se depõem.
- A coisa é feia - disse Wanderley.
- Eu acho, Wanderley, que nós dois temos uma sorte imensa. Temos amigos que nos respeitam como somos, temos bons empregos de chefia mesmo e nossos empregados sabem que somos "casados" e nos respeitam e não temos que ficar impondo nada pra ninguém. Estamos muito bem, meu querido.
- É você é foda - disse Wanderley. - Eu acho que você tem um jeito de perceber as coisas que normalmente me passam despercebidas.
- A gente não nota muito o que não se passa diretamente conosco, mas eu já vivi um pouco mais tudo isso. Já estive em meios bem sujos e em meios dos mais altos. A vida é muito complexa e muito simples. Basta sabermos vivê-la com toda intensidade possível.
- Eu amo você, querido.
- Eu também. Abra o portão da garagem.
- Puxa! Já chegamos?
- Já! Em casa conversamos mais.
Wanderley abre o portão e entram no prédio de carro. Estão novamente em casa e vão dormir pra continuar no dia seguinte a angústia de esperar pela mãe do filho deles. Não aguentavam mais esperar tanto.
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O FILHO DE BERTA
HumorGiuliano e Wanderley são casados. Depois de vários desacertos nas suas vidas, inclusive casamentos heterossexuais, os dois, com os corações partidos, se encontraram em uma manhã, enquanto corriam na praça do Bairro Bom Pastor em Juiz de Fora. Amor a...