Capítulo XXXII - Wanderley e Giuliano conversam

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No carro, na volta, permaneceram calados até que Wanderley comentou novamente a respeito da estadia de Berta:

- Você então acha que ela vai se demorar pouco no Brasil?

- Acho, não, tenho certeza – respondeu Giuliano. - Você acha que ela vai largar aquela vida intensa e louca que leva na Itália e voltar a viver no Brasil por causa de um filho?

- Não, Giuliano, mas ela podia demorar um pouco... Tem o neném... Sei lá... – titubeou o rapaz.

- É o que eu te falo, Wanderley, você está sonhando com a coisa de forma errada – enfatizou Giuliano olhando para o marido. - Berta espera um filho de um de nós dois, mas esse filho é dela. Ela não vai nos impor nenhuma obrigação como pais, mas não vai nos deixar cuidar dele.

- Eu sei - disse Wanderley. – Eu sou um bobo.

- Nós teremos futuramente um filho morando em Roma. Nada mais que isso. Se voltarmos a vê-lo vai ser uma dádiva divina. Eu não acredito nisso. Acho que ela volta e vai viver a sua vida em paz com o filho e se esquecerá de nós – concluiu ele.

- Será, Giuliano? - perguntou Wanderley. - Ah, mas aí não tem graça.

- E o que tem graça, meu querido? - perguntou Giuliano rindo.

- Sei lá, Giu. Eu acho que estou mesmo sonhando demais.

- Eu acho, Wanderley, que nós todos sonhamos demais, mas nunca podemos perder a consciência de que somos diferentes. Não somos como o resto do mundo onde uma família está encaixada no dia a dia. Não é pelo fato de sermos homossexuais, nós somos diferentes! Trabalhamos muito, temos uma vida organizada só para nós dois. Devemos nos dar por satisfeitos de termos um relacionamento como o nosso. Muitos gays estão numa solidão do caramba e sofrem pra burro com o que vivem.

Como Wanderley não disse nada, Giuliano continuou:

- Muitos não têm uma vida bem estruturada. Os gays do mundo fazem passeatas, fazem congressos hoje em dia, mas não se impõem à sociedade porque uma grande maioria deteriora o fato de ser homossexual.

- Como assim, Giu? - perguntou Wanderley.

- Como assim? Vou te mostrar.

Giuliano dirigiu pelas ruas da cidade e entrou em ruas pouco frequentáveis e foi perguntando a Wanderley quando viram os primeiros grupos de travestis se prostituindo na noite:

- Você acha que essas bichas-loucas, como a sociedade os chama, têm como se impor? São caricatas e fazem questão de se rebaixar – explicou ele. – São prostitutas que não se dão o respeito. Mas por que isso acontece? Você sabe?

- Claro que não - respondeu Wanderley.

- Eu não tenho nada contra elas, mas isso depõe contra a raça – definiu ele. – Todo ser humano que não se dá o devido respeito não é respeitado. Esses homens e mulheres que se prostituem nas ruas por qualquer dois vintém, não são homens não são mulheres, deixam de ser seres humanos, mas acham que estão sendo respeitadas por esse sem-número de velhos assanhados que não têm competência pra assumir suas taras e procuram por um travesti, por uma prostituta, para resolverem suas taras.

- Mas você fala de travestis... – questionou Wanderley.

- Não os condeno. Por favor, me entenda. Creio que o fato de um cara se vestir de mulher, se sentir bem enchendo o corpo de silicone, hormônios ou o que quiser, depende unicamente da cabeça dele. O que eu condeno é essa falta de respeito do ser humano que está ali e que se eles próprios não se estruturarem e se derem o respeito jamais conseguirão qualquer coisa.

- Eu nunca pensei assim - disse Wanderley.

- Pois é, mas é assim que acontece. Acontece com o travesti, com essas "bichas", acontece com mulheres. É igual! Tem prostituta que frequenta altas rodas e ninguém pode falar nada. São damas da sociedade e fazem exatamente o que fazem as das baixas ruas de nossa cidade. Qual a diferença? Umas se respeitam e se impõem. Outras se depõem.

- A coisa é feia - disse Wanderley.

- Eu acho, Wanderley, que nós dois temos uma sorte imensa. Temos amigos que nos respeitam como somos, temos bons empregos de chefia mesmo e nossos empregados sabem que somos "casados" e nos respeitam e não temos que ficar impondo nada pra ninguém. Estamos muito bem, meu querido.

- É você é foda - disse Wanderley. - Eu acho que você tem um jeito de perceber as coisas que normalmente me passam despercebidas.

- A gente não nota muito o que não se passa diretamente conosco, mas eu já vivi um pouco mais tudo isso. Já estive em meios bem sujos e em meios dos mais altos. A vida é muito complexa e muito simples. Basta sabermos vivê-la com toda intensidade possível.

- Eu amo você, querido.

- Eu também. Abra o portão da garagem.

- Puxa! Já chegamos?

- Já! Em casa conversamos mais.

Wanderley abre o portão e entram no prédio de carro. Estão novamente em casa e vão dormir pra continuar no dia seguinte a angústia de esperar pela mãe do filho deles. Não aguentavam mais esperar tanto.

O FILHO DE BERTAWhere stories live. Discover now