🎩 Capítulo 02 🎩

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- Então, o que aflige tanto seus pensamentos, senhorita?- Pergunta o Senhor Moraes, quando pega na minha mão novamente, essa é uma daquelas danças que não se fica com o par o tempo inteiro e, sim, em alguns momentos. Eu estava atônita ainda com a aproximação e quase não falara com ele, mas isso é justificado com minha atual situação. Não vou a bailes tem um certo tempo e não estou acostumada a ter um acompanhante na dança.
- Não é nada demais. Falta de costume, eu acho.
- Como pode ser falta se todas as jovens só vivem em bailes e eventos.
- Bom, eu não sou todas as jovens.-
Ele abre um sorriso estonteante.
- Bingo!- Diz ele e eu abro um sorriso.- Então o que a torna diferente das demais?
- Não frequento bailes há algum tempo.- digo, mas a curiosidade dele não cessa, pois ele pergunta logo em seguida:
- Quanto tempo?
- An... Uns cinco anos.
- Puxa!- seu olhar é pura surpresa.- Tanto tempo de sobra, que sorte! O que fazia com o tempo livre?
- Ficava em casa e...- baixei a voz.- lia.
- Lia?-
Ah não! Mais um para me abandonar na conversa.
- É.
- O que?
- "O que" o que?- Minhas sobrancelhas formaram um V.
- O que você lia?- perguntou com um tom quase beirando a impaciência. Como se a pergunta fosse óbvia.
- Um pouco de tudo. Teorias, romances, mistérios, fatos, tantas coisas.
- Nossa, a senhorita deve ter muito a contar.
- Você não sabe o quanto.- ops, aquilo escapou.
Ele percebeu meu súbito silêncio e proferiu:
- Isso é bom. Pelo menos você tem algum assunto, não só futilidades.
- Creio que as jovens em modo geral sempre tenham algo a declarar.- Ele bufa com minha alegação.
- Se é o que você diz...- mais uma vez a dança nos separa e alguns segundos depois estamos juntos novamente.
- Como o que eu digo? É um fato! Nós, mulheres, temos muito a falar.
- Futilidades, como eu disse.
- Nada disso. Nós somos instigadas a falar bobagens, declarar um intelecto baixo. Não incentivam nosso aprendizado ou nossa leitura a cerca de fatos.- ele parece sem palavras e meu orgulho fica contente com isso.
- Bem, então por que não compareceu a bailes durante esse tempo?
- É difícil de explicar.
- Tente.- ele teima.
- Digo que é difícil, pois nem eu mesma sei.
- Complicado.- mais uma vez a dança nos separa.
E volta a nos juntar.
- Você nem sabe o quanto.- E termina.
Enquanto fazemos uma reverência para nos despedir, ele profere:
- Espero vê-la novamente, senhorita.
- Nossos desejos talvez sejam os mesmos.- dou o máximo que consigo de um sorriso misterioso.
Minha mãe me puxa e diz que temos que ir para casa. Atordoada, pergunto o motivo e fico atônita. Viro o pescoço olhando para tudo que consigo e vislumbro ao longe o Visconde M falando com um cavalheiro, que reconheço agora ser o receptor da festa, assim que concentro meus olhos nele, ele me olha como se funcionássemos como um imã e um metal, em que um sente a presença do outro mesmo que a distância. Ele também parece não entender o que está acontecendo e antes que mais alguma coisa possa acontecer entre nossos olhares inexplicáveis, seu queixo cai e sua boca se abre, formando uma expressão de espanto e por instinto eu, que ainda sou puxada para frente pela minha mãe, viro meu pescoço para frente e vejo o que atormentava o senhor Moraes. A parede. Minha mãe passara pela porta ao lado, só não posso dizer o mesmo de mim.
Fui de encontro ao chão e por instinto coloquei a mão em minha testa e senti algo molhado, olhei para minha palma e vi sangue. Acho que algum dos adereços pontudos da parede cortaram minha pele. Escuto apenas um zum-zum da multidão que logo toma forma e começo a ouvir, mesmo contra vontade, a histeria de minha mãe.
- Nossa Senhora! Tara você por acaso não olha por onde anda? Estava sonhando acordada? Como não viu aquela maldita parede?
- Mamãe, olhe os modos! Estou bem, obrigada por perguntar.
- Vejo que está bem. Agora levante-se, vamos para casa agora!
- Desculpe-me, mas a senhora não vê que sua filha está demasiadamente debilitada para levantar-se e seguir caminho?
- E quem é você para dizer como ela está ou não?Um médico?
- Não. Mas ele é. Questione-o e certifique-se que tenho razão quanto ao bem estar de sua filha.
- Ele está certo. Ela precisa suturar a testa e parar o sangramento. Além de um pouco de repouso para que a tontura passe um pouco.
- Oras! Foi só uma batida na parede.
- Uma parede cheia de decorações feita com cimento pontiagudo e posso certificar a senhora que não é nada apaziguador quando de encontro com a pele e ainda mais de forma tão rápida e tão em cheio.
- Tudo bem. Mas coloquem- na em um lugar menos cheio, por favor. Estão todos olhando aqui.
- Estamos todos preocupados, senhora.- Sinto que estou sendo levantada, mas minha visão está um pouco turva. Será que uma daquelas pontinhas da parede acertou meus olhos? Alguém parece me carregar, pois sinto um leve sacolejar e um cheiro imensamente bom e agradável, madeira e calor. Tão reconfortante. Tão lar.
- Não precisa disso tudo. Já podemos ir.- digo, enquanto sou colocada em um divã, que começo a enxergar melhor, da cor vermelha, porque sei que vou levar uma bronca de mamãe e papai irá concordar e direi adeus bailes e saídas de casa e olá cárcere privado!
Não que eu goste de frequentar esse tipo de festa, mas ponha-se no meu lugar. Ninguém quer ficar vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, trinta dias por mês, doze meses por ano trancafiada dentro de uma casa, vivendo apenas o que os livros proporcionam, sentindo apenas o que os personagens sentem, descobrindo apenas o que já foi descoberto, sem fazer as próprias aventuras.
- Não, senhorita. Irei fazer uma sutura em sua testa. Álcool ou ópio?
- O QUE?- minha mãe e eu em uníssono.
- Querida, pelo bem de nossa filha, é melhor o médico fazer o seu melhor.
- Mas, querido, você sabe que...
- Eu sei, eu sei. Mas resolveremos isso em breve. Não se preocupe.
- Está bem.- mamãe diz.
- O que está bem?- não bebo e certamente não irei me drogar.
- Certamente não iremos drogar a dama.- Escuto a voz familiar falar.
- Ei, ei... não é o senhor quem decide isso. Sou eu.- digo firmemente.
- Não está com condições para responder por si.
- Estou em perfeita ordem para responder por mim. Estou em mais perfeita ordem do que qualquer um aqui.
- Não vai pelo ópio. Felipe, por favor, pegue o uísque, entregue a dama e pode começar.
- Felipe, por favor, pegue o ópio.- sei que não sou íntima dele, mas estamos em uma disputa aqui.-
- O uísque.
- O ópio.
- Eu não vou mais discutir isso. Está ficando ridículo. A bebida e acabou.
- Quem pensa que é, senhor? Não é meu pai, tão pouco meu marido e mesmo que fosse este último, não teria sequer o poder para tomar as decisões por mim quando estou perfeitamente sadia mentalmente, então a não ser que seja um marido com sua esposa realmente debilitada ou meu responsável legal, pode por favor calar a boca?- ele para de falar e eu consigo focar minha visão para o rosto perplexo dele.- Ótimo. Ópio, por favor.
Depois de alguns minutos, sinto o efeito começar, estou meio dormente e minha boca começa a abrir e acho que as palavras que irão sair dela não são nada agradáveis de se ouvir.

Amando o Visconde             (TRONNOS-2)Where stories live. Discover now