🎩 Capítulo 01 🎩

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                       Novembro, 1835
Simplesmente revoltante! Um ultraje! Não posso nem sequer fazer um coque adequado que meu cabelo ousa me desafiar. Já estou com a paciência esgotada. É sempre assim! Graças aos céus que eu tenho essa tiara dourada para ajudar a segurar meu cabelo para coques mais firmes. Eu a chamo de tiara da sorte. Tudo bem que os cavalheiros e as damas acham que eu não tenho criatividade para diversificar meu penteado, mas oras eles nem tem o cabelo como o meu, se tivessem entenderiam que ele é tão liso que não posso sequer fazer uma ondulação e prender com uma presilha que tudo se desmancha em poucos segundos. Então não, eu não sou tão criativa assim. Em casa não utilizo muitos adereços para me enfeitar e quando saio, uso minha tiara de metal com folhas douradas para ajudar. Nunca conseguirei um marido! Não só pelo meu desajeitado cabelo desprovido de cachos perfeitos para adornar meu visual, mas também, pelo meu conhecido modo de ser. Só por apenas ser eu. Entretanto, isso não é hora de se repensar muito sobre tal fato, preciso primeiro escolher o vestido o qual irei usar esta noite, daqui a poucos minutos para ser mais precisa. Talvez um verde ou um cor creme... Tanto faz para mim, nenhuma dama ou cavalheiro me dará atenção, no máximo pessoas com idade já avançada me perguntarão sobre qualquer futilidade do dia a dia, por exemplo, como anda a temporada para moças da minha idade ou perguntarão quem é meu noivo... E minha resposta será novamente que a temporada não anda tão boa ultimamente, pois os cavalheiros mais bem sucedidos da região estão comprometidos e que provavelmente não sobraram muitos para cortejar as moças e para a segunda pergunta direi mais uma vez que eu não tenho um noivo e em seguida fingirão consternação já que uma moça com seus vinte e um anos já deveria estar casada com seus filhos e administrando sua casa. A verdade é que a contagem regressiva para uma solteirona de sucesso começou. Não há como um milagre acontecer e eu de repente ficar noiva! Eu realmente gostaria disso, mas vou ser realista e pensar que meu francês é realmente muito bom e se eu, com alguma sorte, conseguisse uma casa para lecionar para as jovens daminhas, já seria de grande valia. Irei colocar na lama o nome de minha família, porém não há muito o que piorar visto que o sobrenome Fernandes já não anda muito visto na sociedade, literalmente! Há alguns anos éramos vistos como alto padrão, se perguntassem para alguém sobre os Fernandes, todos já sabiam que se tratavam dos ricos comerciantes da cidade, com o tempo isso foi se esvaindo até virar menos que uma mera lembrança do que foi um verdadeiro clã de poder monetário. Se tudo isso ainda fosse realidade, eu, talvez, estivesse agora casada, graças a um gordo dote, que na verdade é apenas imaginário, pois o verdadeiro, é uma quantia tão mísera que quem um dia- se esse milagre realmente acontecer.- casar comigo será por dois prováveis motivos: Não arranjou em hipótese alguma uma noiva nas adequações necessárias para preencher o vago que a sociedade impõe ou essa pessoa desenvolveu um impossível afeto por mim chamado amor. Por que impossível? A resposta é muito simples. Sou conhecida por ser chata, entediante e sem conteúdo algum, a última parte até agrada alguns cavalheiros, pois um homem que se "preze" quer uma esposa com o intelecto menos ativo. O motivo é uma incógnita, mas receio que seja porque não quer alguém com uma inteligência que supere a sua que normalmente se adequa e se assemelha ao primitivo. A verdade é que as mulheres têm sua superioridade e devem afligir e amedrontar aqueles que temem que elas cheguem ao poder. Nenhum cavalheiro me olhou, graças a notícia que corre a boca solta. Sou a menina que vive com a cabeça nos livros, não sabe fazer mais nada, além de sentar-se, pegar em um livro e passar o resto do dia a folhear as páginas seja de um romance, uma aventura ou até mesmo uma ficção com hipóteses sobre o que acontece no mundo. Ler me abriu o léxico e os olhos, me fez enxergar outras possibilidades e isso me deixa contente. Eu sei que deveria viver mais, porém não há nada a se fazer por aqui. Eu realmente queria encontrar um marido. Não qualquer marido, mas não me incomodo se não for amor. Acho que talvez isso não exista. Desconheço alguém mais hipócrita que eu nesse assunto, leio, como já disse antes, muitos livros e a maioria fala de amor, de casal apaixonado... Eu amo esse tipo de literatura. Talvez haja uma ínfima possibilidade de que as coisas dos livros se concretizem, mas a certeza é que não comigo. Verde. Peguei decidida o vestido com renda na saia ampla e decote em V que mostra pouco do meu colo, mas ainda sim bastante ousado, sem mangas bufantes e até simples para uma festividade como essa. É bom saber que, ainda que poucos, há quem conheça a minha família. Não, não falimos, mas não somos mais tão cogitados e meu dote não está alto por outros motivos, aos quais nem eu mesma conheço. Questionei sobre isso diversas vezes com meus pais, mas tudo que recebi em troca foi silêncio e desconversas que não faziam o mero sentido, muito embora, minha curiosidade não cessou. Pelo contrário.
Entramos na carruagem pronta e partimos em direção ao baile de...
- Para o baile de quem estamos indo mesmo?
- Da família Bourbon, querida.- explicou minha mãe ajeitando um fio de cabelo preto que caíra de seu penteado e teimava em parar em seu rosto. O cabelo dela também era escorregadio como o meu, mas o dela não superava minha frustração, ela conseguia o manter no lugar com forquilhas belíssimas, o que deixava minha mãe parecendo uma deusa mais velha, uma senhora que poderia ser desejada, em qualquer rua que passasse, por sua beleza, que se mistura às feições de uma índia com uma inglesa, e isso parece ter dado certo para as pessoas aqui no Brasil que acham incrível a beleza indígena e veneram os ingleses. Porém, ela só tem olhos para meu pai. Um senhor não muito estonteante, mas que mais jovem teve sua beleza renomada e hoje apresenta seu bigode e cabelos brancos. Eu me pareço com minha mãe, entretanto não sou tão bela quanto.
- A família do incidente que houve há quatro anos?
- Esta mesmo. Infelizmente, aquele episódio aconteceu com eles, mas são ótimas pessoas.
- Está bem então.
No resto da viagem não conversamos muito, apenas futilidades para quebrar nosso silêncio.
Chegamos na mansão Bourbon que já estava lotada de convidados. Entramos e procuramos por eles para agradecer o convite e falar como estava formidável a festa.
O tal Felipe Bourbon estava ao lado da esposa que se chama Luísa Bourbon, eles falavam com um senhor alto com cabelos um pouco ondulados e castanho que usava um terno azul escuro e calça da mesma cor e tinha uma taça de vinho na mão. Eram três, mas a intensidade que o casal mantinha nos olhos sempre que trocavam olhares sorrateiros, fazia com que parecesse que só estavam os dois. Isso foi diferente, nunca tinha visto algo assim, de repente notei que despertava esse desejo em mim, de ser olhada dessa maneira e olhar assim também para alguém especial.
Me aproximei com meus pais bem devagar e nós nos pusemos atrás do senhor que falava com eles.
- Com licença, Senhores Bourbon.- disse minha mãe.
O jovem virou-se para nos olhar e puxa como ele é lindo! Seus olhos brilhavam com fervor e seus lábios se apertaram um contra o outro levemente e ele olhou para mim, meu sangue gelou e eu gelei! Minha pulsação acelerou e... O que está acontecendo comigo?
- Oh.- falou a Sra. Bourbon.- Se aproximem! Como vão?
Ela olhava para nós, mas eu, por algum motivo desconhecido, não conseguia desviar o olhar daquele homem, mas por consequência ele também não desviava o seu de mim.
- Muito bem, obrigada.- respondeu a mamãe.- Seu baile está formidável! Uma beleza de festa. Meus parabéns. Agradecemos o convite.
- Ah, nós quem agradecemos pela presença de sua família, Sra. Fernandes.
- Estamos de fato felizes por comparecer.- falou meu pai.
- Nossa, você é linda!- A moça falou.
- Filha... Filha... agradeça!- Isso quebrou meu transe e olhei para minha mãe atordoada e percebi que todos olhavam para mim e meus olhos correram novamente para o jovem que tinha um ar divertido e o canto da sua boca subia. Ah, ele estava se divertindo da situação!
- Perdoem-me. Como disse mãe?
- Agradeça a Sra Bourbon!- pelo o que? Ok, não é hora de perguntar, vou apenas agradecer.
- Obrigada, Sra Bourbon.
- Creio que a senhorita nem tenha prestado atenção no que eu falei.- ela disse olhando para o jovem que tentava segurar o sorriso e ela pareceu sorrir divertidamente também.
- Perdoe- me mais uma vez, mas devo confessar que eu realmente não ouvi. Eu estava distraída com meus pensamentos e devo, talvez, ter focado em alguma pessoa... ou lugar.- me apressei dizendo este último, para minha mentira soar convincente.- Devo ter parecido uma sem educação.
- Não há nada com o que se desculpar. Eu apenas afirmei como você é linda.- corei.
- Nossa, obrigada! Mas a senhora é quem tem a beleza por aqui.- digo sorrindo.
- Com isso, tenho que concordar.- fala o marido dela.- Desconheço jovem com beleza tão alucinante.- eles se olham profundamente e parecem estar prestes a fazer com que suas bocas se envolvam na situação, mas param e parecem sofrer muito com aquilo.
- Sentimos muitíssimo, mas precisamos nos retirar. An...Sr Moraes que tal acompanhar a jovem em uma dança?- então esse é o sobrenome dele... Espera uma dança comigo? Ele deixa a taça de vinho em uma mesa de canapés ao lado.
- Claro. A senhorita me daria essa honra?- ele se curva e sua mão se ergue esperando a minha, esperando a aceitação de meu convite. Olho para meus pais.
- Apenas uma.- diz minha mãe.
- Aceito.- digo, colocando minha palma sobre a dele.
Eu só não sabia que aquele seria um passo para uma sequência de indescritíveis coisas que aconteceriam em minha pacata rotina. Eu não esperava que aquele  homem que me conduziria para uma dança de baile, me faria começar a dançar conforme a música da minha vida.

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Oiiii pessoas! Quanto tempo, não é mesmo? Estou feliz por- finalmente- estar de volta. E essa história promete. Seja bem-vindo novo leitor da série e seja bem-vindo leitor assíduo da família Tronnos. Amanhã tem mais um capítulo! Ah, e feliz natal! Xoxo!

Amando o Visconde             (TRONNOS-2)Where stories live. Discover now