Capítulo XCVII - TONHO

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Depois da briga com a Sara, Tonho está se sentindo péssimo.

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Já era de manhã cedo e, pela primeira vez em cinco meses, eu não fui até a calçada para cumprir o meu ritual. Para ser franco, eu mal tinha dormido a noite inteira pensando em tudo o que Sara me dissera no dia anterior.

Sem pestanejar, decidi que eu não precisava ficar remoendo ainda mais toda a minha mágoa. Eu precisava colocar ela pra fora e, apesar do nosso afastamento, o Zeca ainda era a única pessoa que eu poderia contar nesse momento.

Sabendo que aos finais de semana ele não trabalhava, segui até sua janela na pensão e bati  com força. Demorou um pouco para que ele atendesse, todo descabelado e com a cara inchada.

– Eu te acordei? – indaguei, sem graça.

Ao invés de responder, ele ficou me encarando com cara de bobo por alguns segundos.

– Pela sua cara, é claro que você estava dormindo. – Ri.

– São seis e meia da manhã, Tonho – tornou, perplexo. – Seis e meia de um sábado. O que você esperava?

– Eu volto outra hora.

– Espera aí. Só vou vestir uma roupa decente. Me espera na porta.

Mesmo a contragosto, esperei como ele pediu. Dentro de poucos minutos ele apareceu, com o cabelo devidamente arrumado dessa vez.

– Aconteceu alguma coisa? – perguntou, preocupado.

– Está tudo bem – tranquilizei-o.

– Se estivesse tudo bem você provavelmente não estaria aqui.

Concordei com um aceno de cabeça enquanto seguimos em direção a esquina.

– A Malu está bem? – perguntei, tentando puxar assunto.

– Está. Ela recuperou a memória, o que resolveu a grande maioria das minhas dores de cabeça. – Sorriu.

– Eu imagino.

Continuamos caminhando por mais alguns minutos, enquanto trocávamos amenidades, até chegarmos a uma pequena pracinha. A esta hora da manhã, ela estava vazia, o que era bom. Pessoas como eu não se sentem à vontade em lugares muito cheios.

– Pode começar a falar – disse, assim que sentamos em uma mesa com um tabuleiro de xadrez estampado.

Suspirei, tentando encontrar as palavras certas. Então lhe contei tudo o que aconteceu, desde o começo. Sobre como eu me aproximei da Sara e tudo o que aconteceu até que eu finalmente entendesse que eu gostava dela pra valer, até a punhalada que eu recebera.

– Puxa, Tonho! – Riu ele. – Eu tinha esquecido de como você consegue ser dramático às vezes.

– Dramático? – tornei, indignado, levantando-me. – Eu vim até aqui atrás de uma palavra amiga, mas se você vai rir de mim, é melhor...

– Calma, cara! – interrompeu-me, erguendo o braço. – Esse é o seu problema. Você leva tudo a sério demais. Sossega aí e vamos conversar, oras!

Bufando, sentei-me na minha cadeira novamente.

– Posso falar o que eu penso sobre isso? – Ele me encarava com um sorriso de canto.

– Fala, ué.

– Isso tudo é uma besteira sem tamanhos! E olha que eu tenho propriedade para falar disso, afinal eu sou um perito em fazer besteiras – começou, tentando parecer sério. - Como você gosta de complicar as coisas, vou simplificá-las. A Sara cometeu um erro quando não confiou em você. Mas você cometeu um erro também, quando não foi digno da confiança dela.

O Zeca ficou em silêncio, esperando que eu falasse alguma coisa, mas eu fiquei quieto. Eu não tinha o que falar. Além disso, lembrei de todas as vezes em que ela tentou me convencer a mudar de vida.

– Vocês são completamente diferentes. Enquanto ela exala otimismo, você... – começou, mas parou no meio da frase, como se procurasse alguma palavra que pudesse completar a frase sem me ofender.

– Eu sei. Eu sei. Eu não sou um exemplo de otimismo– admiti, de guarda baixa. 

– A Sara pode ter muitos defeitos, mas ser mentirosa não está entre eles e você sabe disso melhor do que ninguém – continuou. – Se ela escondeu isso de você, é porque ela não se sentiu nada confortável para te contar sobre esse fato. Sendo sincero, eu não culpo ela. 

Ele estava coberto de razão. Se ela tivesse me contado, eu provavelmente tentaria a persuadir de que aquela ideia não fazia o menor sentido, assim como eu fiz todas as outras vezes.

– Você tem razão, Zeca. Eu fui um imbecil.

– Acho que vocês dois devem conversar e se resolver de uma vez.

Sorrindo de leve, agradeci e, enquanto voltava pra casa me senti grato por, apesar de tudo, ainda ter um amigo.

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Agora resta saber se a Sara vai desculpá-lo.

Não esqueçam do voto e do comentário. 

Beijão e até amanhã.

As Últimas Cobaias - Livro 3Onde as histórias ganham vida. Descobre agora