Capítulo XXI - TIÃO

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Aquela tinha tudo para ser mais uma noite normal, se não fosse aniversário da Sara. Ela ficou quieta o dia inteiro, mas como bom irmão que sou, fiz questão de espalhar pra todo mundo este fato. Fiz o grupo cantar parabéns para ela – e pude vê-la ficar da cor de um pimentão – e nos reunimos no jardim para fazermos algo que não fazíamos há séculos: cantar em volta da fogueira, afinal, não é todo dia que se faz dezoito anos.

Meu violão insistia em desafinar o tempo todo e enquanto eu o afinava pela bilionésima vez, a Iolanda deu uma ótima ideia.

- E se cada um de nós contasse alguma coisa importante sobre a nossa vida que os outros do grupo não sabem?

A opinião do grupo ficou dividida. Alguns quiseram, outros não. No entanto, como a maioria quis, a Iolanda começou respondendo.

- Como você fugiu do hospital? - perguntou a Helô, que pela primeira vez parecia um pouco mais animada.

- Ah, foi fácil – respondeu, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. - Um dia eu descobri o meu chip e o arranquei com o garfo do meu almoço - ela apontou para uma pequena cicatriz no braço. - Uma semana depois eu fiquei invisível e foi fácil.

Todos riram um pouco e então foi a vez dela perguntar para a Sara:

- O que você sentiu quando teve certeza que a Helô estava enrascada?

- Puxa! Eu quase me borrei de medo – sorriu, daquele jeito que só a Sara sabe fazer. - Primeiro eu tive certeza que seu plano infalível tinha dado errado e, depois, eu pensei que o Tonho fosse me matar. Ele até quis me matar na verdade, mas eu não deixei – gargalhou. - Agora é a minha vez. Mag, como você conseguiu ficar tanto tempo escondida dentro do hospital.

A Mag não era de falar muito, mas até ela parecia empolgada com a nossa brincadeira.

- Uma enfermeira me ajudou. Se não fosse ela, eu não teria como ter me mantido lá. Acho que ela tinha pena de mim e da Dani – respondeu.

Houve um burburinho sobre quem seria essa pessoa bondosa, que foi interrompido pela própria Mag.

- Tião, como eram os seus pais? - indagou.

- Eu não me lembro deles – respondi, coçando a cabeça. - Eu era muito pequeno quando eles morreram. Mas deviam ser bonitos, né? Só isso explica esse deus grego aqui!

Antes que eu tivesse tempo de rir da minha própria piada, a Sara me deu um tapa no braço e todos caíram na gargalhada, inclusive eu.

- Tavinho, meu amigo – comecei. – Como você conseguiu pensar em deixar seu óculos para aquelas lesmas entregarem? Cara... foi uma jogada de mestre.

- Minha cabeça trabalha rápido, Tião – explicou. - Eu não podia entrar em casa, caso contrário, aqueles caras iriam descobrir vocês, então acabei agindo por instinto. Agora sou eu. Dani, por que o seu rato se chamava Beto?

- Era o nome do meu pai – sorriu. - Joca, como eram os seus pais?

O Joca era o cara mais fechado do grupo. Talvez ele fosse o cara mais fechado do planeta. Eu quase não acreditei quando o vi olhando para a Dani e respondendo:

- Dois vermes nojentos – disse, como se estivesse falando do tempo.

Um climão se formou no grupo. Todos permaneceram em silêncio por alguns instantes, que foi quebrado pelo próprio Joca.

- Helô, o que te deu na cabeça para seguir o Zeca?

- Eu só queria provar que eu não era uma inútil – respondeu. - Eu já estava desconfiada dele há certo tempo, então só fiz aquilo que eu queria fazer. Não fiquei nada surpresa quando descobriu que a Malu estava envolvida.

Todos riram, inclusive ela.

- Agora eu vou fazer uma pergunta que nem eu mesma sei a resposta. E olha que é o meu irmão! - sorriu. - Tonho, como você foi parar na segurança máxima?

Notoriamente ele ficou sem graça. Um milhão de possibilidades rondaram a minha cabeça, mas nenhuma delas foi tão divertida quanto a resposta do Tonho.

- Eu bati em um cara – respondeu, encarando o chão.

- Você o quê? - tornou a Sara, dividida entre a incredulidade e a vontade de rir.

- Um enfermeiro idiota vivia zombando de mim, um dia eu não aguentei e quebrei o seu nariz – contou. - No mesmo dia fui parar na segurança máxima.

- Nossa! - exclamei, com a barriga doendo de tanto rir. - Por essa eu não esperava.

- Ninguém esperava – disse o Joca, que também gargalhava.

- Admita que isso é bem inusitado – tentou a Helô.

- Acho que sim – sorriu ele. - Talvez seja mesmo.

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Capítulo bem light, para quebrar um pouca da tensão desse grupo.

Beijão e até amanhã.


As Últimas Cobaias - Livro 3Onde as histórias ganham vida. Descobre agora