Capítulo LXV -ZECA

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O ônibus me deixava a uns cinco minutos da hospedaria. Ao contrário das pessoas normais, que temem andar sozinhos depois da dez, eu vinha com a cabeça nas nuvens pensando sobre o que conversaria com a Fernanda, já que assaltantes e assassinos não me metem medo algum.

Vi uma pessoa sentada na calçada, encolhida. Usava um casaco com capuz e parecia não estar prestando atenção no que acontecia ao seu redor, tanto que levou um susto quando toquei no seu ombro.

– O senhor precisa de ajuda? – perguntei, abaixando-me ao seu lado.

Quando ele ergueu o rosto, senti meu coração parar por um instante. Não era um senhor, era a Malu. A Malu estava sentada na minha calçada! Devo ter permanecido vários minutos a encarando incrédulo, porque eu não sabia o que dizer, nem o que fazer, nem o que sentir.

– Eu estou perdida – explicou, fitando-me com confusão no olhar. – E não sei o que fazer.

Eu também não sabia o que fazer, por isso sentei ao seu lado.

– Você sabe quem eu sou? - perguntei, esperançoso.

– Não, mas pela sua cara, você sabe quem eu sou – tornou.

Concordei com um aceno de cabeça, mas não falei nada. Eu queria poder abraçá-la, beijá-la, acabar com todo esse sentimento ruim que me dominou nesses últimos meses, mas eu sabia que não podia. Ela estava muito assustada e, com certeza, eu lembrava que a Malu desmemoriada era muito desconfiada.

Ela me incentivou a lhe contar o que eu sabia e eu abri o bico. Contei-lhe brevemente sobre tudo o que aconteceu, sem entrar em muitos detalhes, especialmente sobre o nosso namoro. Eu não queria forçar a barra, nem nada do tipo. Ela pareceu entender, mas não tenho certeza se ela acreditou na minha história.

– Como você veio parar aqui? Você se lembra desse lugar?

– Acho que as minhas pernas me trouxeram para cá – explicou. – Eu tenho visões desse lugar, mas não faço ideia do motivo.

Suspirei ao imaginar a barra que seria convencê-la de que eu era um cara bom. Provavelmente eu devia ter cara de um sujeito nada confiável, pois todas as vezes que ela se deparou comigo sem se lembrar quem eu era, ela preferiu acreditar em outras pessoas.

– Vamos entrar – sugeri, levantando-me. – Você precisa de um lugar pra ficar.

– E como eu vou saber se você é confiável?

Estava começando antes mesmo do que eu podia imaginar.

– Ora essa! – exclamei, cansado. – Porque no momento eu sou sua única opção.

*

Acho que ela estava muito mais cansada do que desconfiada, porque não resistiu muito e acabou entrando. Não vou dizer que ela não se assustou quando a fiz atravessar a parede comigo, mas ela até que encarou numa boa. Ofereci-lhe uma roupa minha para que ela pudesse tomar um banho e agora ela dormia em uma das camas, enquanto eu andava de um lado pro outro sem saber o que fazer.

Quando ouvi batidas na janela, lembrei-me que eu tinha combinado de encontrar a Fernanda e esse era um dia péssimo para isso. Abri a janela tentando fazer o mínimo de barulho e dei de cara com ela.

– Então é aqui que você se esconde? – provocou.

– Desculpa, Fernanda, mas hoje é um dia ruim para conversarmos – tentei explicar, mas ela já estava pulando a minha janela.

Ela deu de ombros e se sentou sobre a minha cama, ficando de frente para a Malu que dormia encolhida.

– Quem é essa pessoa? – indagou, erguendo uma sobrancelha.

– Ela é uma amiga que está precisando de ajuda.

Ela me olhou por alguns instantes com sua expressão mais indecifrável possível, até que seu rosto se iluminou num sorriso.

– Essa é a tal pessoa importante, Zeca? – indagou, levantando-se num salto. – É dessa garota que você estava falando naquele dia.

Esfreguei o rosto com a mão, num sinal de cansaço e frustração. Respirei fundo e lhe contei toda a historia desde o início, passando pelo orfanato, pelo hospital e tudo o que aconteceu depois. Não sei porque resolvi confiar na Fernanda, mas me senti muito mais leve quando terminei minha longa narrativa.

– Uau! - exclamou, assim que acabei. – Essa história é... Uau! Não tenho nem o que dizer. Isso explica porque você tem esse humor péssimo. Quer dizer, eu pensei que você só fosse um mal humorado qualquer e juro que não entendia porque você tinha fugido daquele hospital se era pra viver nessa vibe negativa.

– Puxa, Fernanda. Você perde cada oportunidade de ficar com a boca fechada – suspirei, tentando não me ofender com seu comentário.

– Mas eu vou indo nessa. Não quero acordar a Bela Adormecida aí – riu, apontando pra Malu. – Amanhã a gente combina.

Concordei, enquanto ela pulava a janela. Tomei um banho rápido e deitei na cama, encarando o teto. Mesmo sabendo que minha jornada para fazê-la confiar em mim seria longa e árdua, eu estava muito feliz em tê-la perto de mim.

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Finalmente a Malu está de volta! Quem estava aguardando por esse momento??

Não esqueçam do votinho e do comentário.

Beijão

As Últimas Cobaias - Livro 3Where stories live. Discover now