Capítulo II - ZECA

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Quando o despertador tocou, eu já estava acordado há muito tempo. Isso acontecia quase todos os dias e, para ser franco, eu tinha mais é que ficar feliz por esse ser um dia bom. Em um dia ruim eu sequer teria pregado o olho.

Levantei sem nenhuma dificuldade e tomei um banho rápido. Vesti qualquer roupa e segui até a cozinha, onde o café já estava servido. Comi um pão com margarina e tomei um copo de café com leite. Não era dos melhores, mas, levando em consideração tudo o que eu vivera até o momento, pode-se dizer que eu estava no paraíso.

O ônibus não tardou a passar e, como estava praticamente vazio, consegui um bom lugar para sentar. Respirei fundo e me permiti sorrir. Afinal, esse seria mais um dia da minha nova vida.

*

Dizem que o mundo é movido pelos sentimentos bons. Amor, compaixão, empatia, companheirismo e tantos outros.

Tudo balela. A verdade é que são os sentimentos ruins que realmente movem o mundo. Ou talvez eles apenas me movessem e eu esteja generalizando.

Raiva e culpa: esses são os combustíveis que me fizeram ter forças para levantar da cama todas as manhãs, e eu não tenho nenhuma vergonha em assumir. Se não fossem eles, eu provavelmente estaria ainda mais no fundo do poço.

Eu não sabia que era possível sentir tanta raiva até retornar para casa após aquela tentativa frustrada de resgatar a Malu e o Bruno. Quando eu soube que ela não se lembrava mais de mim, fiquei literalmente cego de raiva. Digo isso porque não me lembro de como retornei para casa após aquele incidente. Num instante eu vi o meu mundo se desfazendo na minha frente e, no outro, já estava em casa, com todo o grupo tentando me consolar. Como se eu precisasse de algum consolo. Como se a culpa de tudo isso não fosse minha.

E foi aí que começou a minha história com esses dois sentimentos, que me acompanham há quatro longos meses.

*

Após uma noite em claro, pensando em tudo o que acontecera, resolvi tomar a decisão mais importante da minha vida.

- Eu vou sair do grupo – anunciei.

- Você o quê? – indagou o Tonho, incrédulo. – Do que você está falando?

- Eu vou sair do grupo – repeti, agora mais pausadamente.

- Você não pode simplesmente ir embora. Não depois de tudo o que aconteceu – acusou-me a Sara.

Se dependesse de mim, eu teria conversado apenas com o Tonho, sem a Sara na cola dele. Francamente, eu não fazia ideia desde quando a Sara se tornara um membro da alta cúpula do grupo, mas, se isso aconteceu sem que eu percebesse, só ficava mais claro o quanto eu não pertencia mais aquele lugar.

- Você está tomando uma decisão precipitada – advertiu-me ele, ainda tentando me convencer.

- Não é precipitada. Eu já penso nisso há meses e não vejo um momento melhor – expliquei.

- Isso não vai trazer a Malu de volta – disse a Sara. – E você sabe disso.

Respirei fundo, tentando manter a calma e não pular no pescoço dela.

- Eu sei. – Foi tudo o que eu disse.

Sem me prolongar mais, virei as costas e fui embora sem me despedir de ninguém.

*

É claro que eu tinha um plano em mente. Mesmo com as ideias atrapalhadas, minha mente ainda trabalhava a todo vapor. E o primeiro passo do meu plano era seguir até a hospedaria da Dona Gorete para resolver alguns assuntos pendentes.

As Últimas Cobaias - Livro 3Where stories live. Discover now