Capítulo LVI - SARA

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Fato importante sobre a Sara: ela beijou o Tonho.


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O grupo estava disperso naquela manhã – ainda mais do que de costume. Os únicos que estavam realmente em casa eram o Tião, a Iolanda, o Tonho e eu. Mesmo sem saber o paradeiro dos outros, pelo menos naquela manhã, resolvi sossegar um pouco. A verdade é que eu estava cansada de me preocupar tanto.

Há um bom tempo eu vinha pensando em como deve ser bom ter uma vida normal. Cada vez que eu parava para pensar no Zeca, eu só conseguia morrer de inveja dele, por ter uma casa, um emprego e uma vida descente. Aquela ideia de morar em uma casa mobiliada estava cada vez mais fixa na minha cabeça.

– Está pensando no quê? – perguntou o Tonho, sentando-se ao meu lado.

– Na gente – respondi. – O que vai ser da gente, Tonho?

– Puxa vida, Sara! – exclamou. – Tem pouco mais de vinte e quatro horas que nós estamos namorando e você já quer que eu faça planos para o futuro?

– Não é nada disso! – tornei, dando-lhe um tapa no braço. – Não estou falando de nós dois, bobo. Estou me referindo ao grupo. Você já parou pra pensar no que vai acontecer?

Ele me encarou com certa confusão no olhar, o que deixou claro que ele não estava entendendo bulhufas do que eu estava falando.

– Pensa comigo. Hoje todos nós somos jovens, mas o que vai acontecer daqui a dez, vinte anos? Nós vamos viver essa vida medíocre até lá? – indaguei. – Você não sonha com uma vida melhor para todos nós?

Sem me responder, ele abaixou a cabeça. Voltei a olhar para o nada, pensando que nossa conversa estava encerrada.

– Eu sonhava em ser advogado – ele disse, finalmente.

Não entendi o sentido da sua frase. Olhei fixamente em seus olhos, tentando compreender o que ele estava tentando me dizer, mas não obtive nenhum sucesso.

– Naquele dia que você me perguntou se eu tinha um sonho – continuou, notando a confusão estampada no meu rosto. – Eu sonhava em ser um advogado como o meu pai. Eu ainda era criança e não fazia a menor ideia do que um advogado fazia, mas eu queria ser igual a ele.

Eu não sabia quase nada sobre a vida do Tonho, assim como ele também sabia pouquíssimo sobre a minha. Havia um código de conduta velado no grupo, onde não fazíamos aos outros as perguntas que não gostaríamos de responder. Isso explicava o fato de que, apesar de vivermos há anos sob o mesmo teto, desconhecíamos tanto uns aos outros.

– Éramos uma família perfeita. Pelo menos aos olhos de uma criança de seis anos, ela parecia perfeita. Meu pai era advogado e minha mãe ficava em casa cuidando de mim e da Helô – continuou, agora encarando o chão. – Ela estava grávida, mas eu não sabia se ia ter um irmão ou uma irmã. Antes que eu soubesse disso, nossa casa foi assaltada. Eles reagiram e... – suspirou, parecendo sofrer com as lembranças. – Eu e a Helô estávamos na escola e por esse motivo ainda estamos aqui. Depois daquele dia, nossa vida virou do avesso.

Tentei dizer alguma coisa para consolá-lo, mas eu não sabia o que dizer. E mesmo que soubesse, um nó tão grande se formara na minha garganta que acho que minha voz não sairia de qualquer maneira.

– Eu não estou te contando isso para te mostrar que meu sofrimento é maior que o seu, Sara – explicou. – Eu só quero que você saiba que não existe alguém que desejasse uma vida normal mais do que eu. Eu só não faço ideia de como fazer isso.

Abracei-o com força, antes que ele notasse que meus olhos estavam marejados.

– Nós vamos descobrir como fazer isso – tentei soar animada. – Eu prometo que nós não vamos envelhecer nessa droga de vida.

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Mais um pedacinho da vida do Tonho pra vocês. Isso explica um pouco da maneira que ele trata a Helô, né?

Comentem o que estão achando. Adoro ler os comentários de vocês.

Beijão e até amanhã.

As Últimas Cobaias - Livro 3Where stories live. Discover now