Capítulo LXXXV - MALU

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Malu falou besteira para o Zeca.

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Depois que o Zeca saiu, senti uma vontade insana de gritar, mas eu sabia que isso era impossível. Eu não lembrava dessa tal Dona Gorete, mas pelos relatos do Zeca não seria uma boa ideia deixar que ela descobrisse a minha presença.

Eu sabia que tinha passado dos limites e falado besteira, mas por mais que meu coração dizia para confiar nele, minha razão ficava me alertando o tempo todo que ele talvez não fosse exatamente quem ele dizia ser. Como eu poderia ter certeza?

Num ato impensado, pulei a janela e saí andando a esmo pela rua, tentando passar despercebida. Como se uma garota com cabelo raspado e usando roupa alguns números maior do que ela pudesse não ser notada.

O que o Zeca dissera sobre as pessoas estarem atrás de mim me afetou de verdade. Tanto que não conseguia andar dois passos sem olhar pra trás, buscando qualquer pessoa suspeita, mas não vi ninguém que me preocupasse.

Continuei caminhando por alguns minutos até que me deparei com três garotas conversando e rindo em frente a uma casa abandonada. Uma delas era a garota que saiu com o Zeca aquele dia. Aquela da lembrança que eu tive. Tentei não dar atenção a elas, mas alguma coisa naquele lugar me fazia sentir esquisita, como quando após escapar do hospital, segui instintivamente até o Zeca.

– É a Malu! – exclamou uma delas.

Tentei recuar, mas era tarde demais. Elas já estavam correndo na minha direção, todas com expressões estranhas.

– Como você veio até aqui? – indagou uma delas.

– Como está o Bruno? – perguntou a garota da minha lembrança.

– Você fugiu daquele lugar? – insistiu a primeira.

Enquanto as duas foram me atulhando de perguntas, uma delas apenas me encarava com estranheza. Ela era linda. Tinhas os cabelos escuros e encaracolados e os olhos azuis. Não entendi porque ela me olhava daquele jeito.

– Quem são vocês? – finalmente perguntei.

A garota alta de rosto comprido e dentes separados riu, enquanto a baixinha cruzou os braços decepcionada.

– Você não se lembra da gente? Eu sou a Sara – sorriu. – Essa é a Helô e aquela é a Iolanda.

Iolanda. Ao lembrar desse nome, minha mente foi invadida por mais uma lembrança. Estávamos em frente a pensão, quando essa garota apareceu e fez um escândalo. Eu não me lembrava por qual motivo, mas ela estava fora de si, tamanha a sua raiva.

Minha cabeça doía tanto que precisei sentar no chão. Senti como se ela fosse explodir, especialmente porque as três não paravam de me perguntar sobre o que estava acontecendo comigo.

Depois de um tempo, finalmente me acalmei e notei que só a Iolanda estava ao meu lado.

– As duas foram buscar água pra você – explicou ao ver a interrogação na minha cara.

Concordei com um aceno de cabeça.

– Nós duas precisamos conversar – anunciou, tentando parecer indiferente, mas percebi que estava completamente desconfortável.

– Precisamos? – tornei, erguendo uma sobrancelha.

– E tem que ser a sós – concluiu, puxando-me pelo braço para longe dali.

Ela me levou até um beco, onde sentamos frente a frente. Eu queria entender o que estava acontecendo, mas ao mesmo tempo me sentia apreensiva demais para perguntar.

– Talvez você não se lembre disso, mas eu te devo um pedido de desculpas – começou, sem jeito. – Eu cometi um bocado de erros e hoje eu vejo como eu fui idiota.

Então ela me contou sobre tudo o que aconteceu. Do momento em que eu cheguei ao grupo e a fiz se sentir ameaçada, passando pelo momento em que ela voltara com o Zeca depois da grande decepção que eu fui e finalizando na minha lembrança, quando ela finalmente criou coragem e descobriu que o Zeca estava mentindo para ela para sair comigo.

– Então antes de namorar comigo, o Zeca era seu namorado? – indaguei, sentindo a indignação crescendo dentro de mim. – Por que ele não me contou isso? Será que também não queria "forçar a barra"? – Fiz aspas com os dedos.

– Do que você está falando?

– Você já perdeu a memória? – perguntei a ela.

– Já – respondeu, erguendo uma sobrancelha. – Quando eu fugi do hospital, demorei algum tempo para lembrar das coisas.

Bufei, frustrada. Ela não conseguia me compreender. Ninguém na verdade me entendia.

– Eu queria me lembrar de tudo, mas não consigo. E graças a isso, eu fico sem saber em quem eu devo confiar – disse, esfregando as mãos no rosto. – Eu não sei quem me quer bem ou quem quer me ver pelas costas e isso é frustrante.

– Você está sendo injusta – acusou-me, mas em um tom brando, tentando não soar como uma acusação. – Se existe uma pessoa em quem você pode confiar, essa pessoa é o Zeca.

– Então por que ele não faz por onde? – tornei. – Por que ele simplesmente não me prova que é de confiança?

– O Tavinho me contou que ele está te abrigando na casa dele, mesmo sem o consentimento da dona da pensão. Ele está te alimentando e te protegendo daquela gente do hospital que deve estar louca atrás de você. O que mais você quer que ele faça pra te mostrar que é de confiança?

Abri a boca para argumentar, mas não encontrei nenhum argumento válido. Ela tinha razão. Eu estava mesmo sendo injusta.

– Eu sei que é uma situação horrível, Malu – continuou. – Mas se você está em dúvida sobre se deve ou não confiar nele, ouça o que o seu coração diz.

– As coisas são bem mais complicadas do que parecem ser – tentei argumentar, mas a Iolanda estava irredutível.

– Pare para se ouvir. Você está criando motivos para não acreditar nele – insistiu, colocando a mão sobre o meu ombro.

Eu estava confusa e chateada, mas permaneci em silêncio. Talvez ter vindo até esse lugar tivesse uma explicação. Talvez, no fundo, eu quisesse ouvir isso o tempo todo. Sorri de leve.

– Viu só? – Sorriu. – Não é tão difícil assim.

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Será que a Iolanda vai conseguir colocar um pouco de juízo nessa cabecinha teimosa? Vamos torcer que sim, pelo bem do Zeca.

Beijo e até amanhã.

As Últimas Cobaias - Livro 3Where stories live. Discover now