Capítulo 70 | Décimo dia - Maldição

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O Monte Dikteon voltou a tremer. Mas, desta vez, com muito mais violência, pois parecia que o mundo inteiro estrebuchava depois de ter seu coração arrancado.

Na sequência, o pilar na margem norte do lago quebrou em vários pedaços e, devido às novas rachaduras, que estraçalharam o teto e as paredes, soltando uma quantidade enorme de rochas para todos os lados, a abertura por onde a cachoeira entrava na câmara foi alargada, transformando a queda d'água em um esguicho desgovernado.

Mesmo sofrendo com a dor excruciante, a Senhora da Terra conseguiu abrir os olhos e ver o Filho de Chronos em meio ao desmoronamento, usando a vontade inabalável, que ela se empenhou tanto para ensiná-lo, e logo soube como, a partir dali, Zeus estava pronto para declarar, e talvez vencer, uma guerra contra os Titãs.

Desiludida com si mesma, Gaia sentiu a culpa expandir até se tornar o tipo de remorso cujo peso não é possível carregar por muito tempo. Afinal, foram suas próprias atitudes que colocaram a vida de seus filhos sob uma grande ameaça.

Contudo, durante aquele momento catastrófico, o que aumentou o desespero da Senhora da Terra, ainda mais, não foi imaginar o Filho de Chronos matando os Titãs para assumir o posto de Senhor do Mundo, mas a água da cachoeira e do lago, cuja forma havia perdido o preenchimento e a pulsação da energia verde de Tethys, e agora brilhava preenchida por outra transparente e cristalina.

Quando se manifestou no começo do dia, a ansiedade para iniciar a restauração de seu legado era tão pujante que Gaia prosseguiu direto para o treinamento de Zeus, sem perceber o claro indício da morte de sua filha. Portanto, ao descobrir esse fato tão horrível, foi inevitável a Senhora da Terra ver sua herança para o mundo como um simples amontoado de ideias fadado a desabar rumo ao esquecimento.

Com um olhar inquisidor, Zeus andou sobre o solo trêmulo e rachado e parou bem perto de Gaia, esperando a técnica para assumir um domínio lhe ser revelada.

Em seguida, eles se encararam de maneira intensa e a Senhora da Terra pensou em como ela havia perdido tudo por estar obcecada em tentar fazer o seu melhor continuar existindo ao longo do tempo. Por isso, depois de preencher suas palavras com o mais puro ódio, ela disse:

— Eu amaldiçoo você.

Entendendo que Gaia não iria falar mais nada além daquilo, Zeus, com uma expressão severa, voltou a aproximar as mãos, diminuindo o tamanho do nódulo.

Pressionada pela superfície da esfera energética cada vez menor, a Senhora da Terra ficou de joelhos, rangeu os dentes e fechou os punhos, na tentativa de resistir à dor e permanecer em silêncio, preservando a dignidade na hora de sua destruição.

No entanto, logo o nódulo ficou pequeno demais, fazendo Gaia abandonar seus contornos de espectro e, junto com um último grito esganiçado de dor, retroceder à forma de chama.

Na sequência, devagar, o Filho de Chronos pôs a palma da mão debaixo da minúscula esfera flutuante, cercando-a com os dedos apontados para cima, e interrompeu a contração do nódulo. Logo depois, sentindo-se amargo, ele admirou todas as nuances daquela fagulha castanha, relembrando como ela havia lhe contado o nome que, em breve, ele faria ser temido por todos.

Então, em um movimento rápido, Zeus fechou a mão com raiva, suprimindo a esfera e dando fim à existência de Gaia.

O resquício de energia da Senhora da Terra, que ainda preenchia os volumes da caverna, desapareceu, sendo substituído por uma energia marrom, cuja pulsação tinha uma velocidade própria.

De imediato, o abalo parou e tudo ficou calmo.

Zeus reduziu a pulsação abaixo do nível máximo. Seus olhos voltaram ao normal e o mundo deixou de ser escuro, recuperando as cores e texturas. Em seguida, ele olhou atentamente para a destruição ao redor e encontrou o túnel que Gaia havia lhe mostrado no dia anterior.

Sem demora, o Filho de Chronos, disparando uma rajada, destruiu os escombros que bloqueavam a passagem e correu para dentro das profundezas do Tártaro, onde sua mãe e seus irmãos o esperavam para salvá-los.

THEOGENESIS | Livro Um | Os Deuses e o MundoKde žijí příběhy. Začni objevovat