THEOGENESIS | Livro Um | Os Deuses e o Mundo

Capítulo 65 | Décimo dia - Conexão

Ansiosa para iniciar a restauração de seu legado, a Senhora da Terra se manifestou querendo terminar o treinamento do Filho de Chronos o mais rápido possível. Recuperado e imerso em seus pensamentos, Zeus estava de pé, esperando por Gaia.

— Antes de começarmos, preciso perguntar uma coisa. — Ele disse com firmeza.

— Pergunte. — Ela se prontificou, um pouco impaciente.

— Éolos não sobreviveu como espectro. Você sabe o motivo?

Intrigada pela natureza daquela pergunta, Gaia respondeu:

— Antes de morrer, eu não sabia que meu plasma seria transferido para a terra após a destruição do meu corpo. Muito menos que isso me permitiria continuar existindo como espectro. Tudo simplesmente aconteceu.

— Deve ter sido a mesma coisa com Erebos. — Zeus deduziu.

— Imagino que sim.

— E com Nyx e Urano também. — Lembrou.

— Se eles se tornaram espectros. — Gaia disse surpresa consigo mesma por nunca ter pensado naquela possibilidade. — Devemos agradecer por estarem presos em seus domínios.

— Os Titãs possuem plasma? — Ele quis saber.

— Não. Seus corpos são preenchidos pelo elemento de seu domínio. — Explicou. — Talvez. — Prosseguiu pensativa logo depois. — Essa seja a resposta para sua pergunta sobre Éolos.

— Então, quando um Titã morre, seu domínio fica sem um senhor?

— Infelizmente. — Disse entristecida. — Mas, por que está me perguntando sobre isso? — Questionou desconfiada.

— Estou preocupado. Chronos é muito poderoso. Provavelmente invencível. Temos que...

— Não se preocupe com Chronos agora. — Ela o interrompeu nervosa. — Se preocupe em terminar seu treinamento. Vamos fazer uma coisa de cada vez.

— Certo. — Zeus encerrou o assunto, apesar de se sentir contrariado.

A Senhora da Terra se recompôs e flutuou alguns estádios para o fundo da câmara, de modo que o Filho de Chronos a visse por inteiro. Depois, virou de frente para ele e disse em tom solene:

— Durante todos esses dias, você se dedicou a desenvolver suas habilidades de luta para enfrentar o Senhor do Tártaro. Mas, como disse antes, se quiser destruir Erebos, vai precisar de muito mais do que dedicação. Vai precisar colocar sua vida em risco durante o combate. Por isso, olhe para mim e diga o que você vê.

Zeus segurou o ímpeto de apenas descrever o que estava na sua frente. Aquele era seu último dia de treinamento e, com certeza, Gaia esperava que ele fosse além do óbvio.

— Eu vejo um espectro e seu domínio. — Zeus disse com segurança. — Mas, assim como o ar, a energia escapa aos meus olhos.

— Isso mesmo. — Gaia afirmou vibrante. — Acenda sua aura. — Ordenou em seguida.

Zeus obedeceu.

— Fale o que sentiu quando começou a ultrapassar o nível máximo. — Ela comandou.

— Meu corpo ficou dormente, o silêncio tampou os ouvidos e minha visão escureceu.

— O que você acabou de descrever nada mais é do que um mecanismo de defesa do seu corpo. A suspensão dos sentidos é o primeiro aviso de que a força suportada por ele atingiu o limiar entre o nível máximo e o nível extremo. E se, mesmo após esse alerta, por qualquer que seja o motivo, os pulsos continuarem acelerando, o último recurso do seu corpo para evitar a destruição é expulsar a energia, deixando-o exausto no processo.

— Por isso você não me avisou da explosão quando despertei minha aura. — Zeus disse sereno. — Você queria que eu conhecesse bem todos os níveis de força para que ficasse mais fácil identificar o limiar.

Atingida por um grande senso de realização, mas mantendo-se firme para não demonstrar a euforia que estava sentindo pelo Filho de Chronos ter entendido o objetivo de sua atitude naquele dia, Gaia prosseguiu dizendo:

— Quando a carga de força atinge o limiar, a energia se torna a única conexão entre seu corpo e o Universo. Se você conseguir estabilizar a velocidade dos pulsos nesse estágio, seus olhos serão capazes de enxergar a energia que existe em todas as coisas.

— Incluindo a energia que existe entre um espectro e seu domínio. — Zeus falou soando mais maduro do que antes. — Você estava certa. — Disse após pensar brevemente. — Para fazer isso durante o combate vou precisar de uma vontade inabalável de lutar. Se o medo de morrer, ou qualquer outra coisa, me desconcentrar por um segundo sequer, posso acabar exausto diante de Erebos.

— Ontem você me surpreendeu ao controlar o nível máximo de forma incrível. — A Senhora da Terra afirmou sincera. — Tenho certeza que hoje vai me surpreender ainda mais quando dominar o limiar.

Motivado pelo incentivo de Gaia, Zeus aumentou a aceleração dos pulsos. Como esperado, seus sentidos foram suspensos e, em meio à escuridão e o silêncio, o medo invadiu seu pensamento, querendo obrigá-lo a retroceder. Tomado por uma calma enorme, Zeus respirou fundo, domou a ansiedade e estabilizou os pulsos. Ao fazer isso, seus ouvidos voltaram a funcionar escutando um barulho incessante, parecido com chamas crepitando sob uma forte ventania. Logo depois, seus globos oculares ficaram negros, perdendo a pupila. Em seguida, uma intensa luz castanha acendeu e apagou de forma instantânea, lhe devolvendo a visão e revelando um mundo novo. Um mundo escuro feito o fundo de um abismo, onde os volumes da caverna só podiam ser vistos por serem preenchidos pela energia do espectro de Gaia, que irradiava como se ela fosse o epicentro de uma sequência de explosões sem fim.