Capítulo 49 | Um Mundo de Paz

79 7 23
                                    

Sexto dia de vida de Zeus. Vinte e dois anos.

Zeus passou a noite acordado, sentindo o corpo doer e latejar a cada centésimo de côvado que crescia. Durante todo esse período, além de tentar compreender melhor a história contada por Gaia, ele ficou pensando em sua mãe e seus irmãos e imaginá-los sofrendo no Tártaro, cortou seus pensamentos como uma lâmina feita ora de obrigação, ora de afeto. Ao mesmo tempo, as imagens de Erebos e Chronos usando seus poderes de maneira tão grandiosa fizeram o medo da morte aumentar dentro de Zeus, sufocando seus sentimentos. Porém, com o passar das horas, obrigação e afeto se uniram e, apesar de não conseguirem vencer o medo por completo, acabaram se transformando em fraternidade.

Então, devagar, Zeus ficou de pé, olhou para seu punho fechado e disse:

— Gaia.

Ainda abatida pela percepção que obteve de si mesma no dia anterior, a Senhora da Terra se manifestou na frente do jovem.

— Ajude a me vingar. — Ele pediu armando a fraternidade com determinação. — Chronos e o Erebos devem pagar pelo o que fizeram.

— Antes de buscar vingança. — Gaia falou aproximando-se de Zeus. — Você precisa entender que nossas ações nunca são simples e isoladas. Elas sempre fazem parte de algo maior e complexo.

— O que quer dizer com isso?

— Você viu nas chamas, que depois de me refazer como espectro, eu percorri toda a interseção entre meu domínio e o Tártaro, procurando pelos Titãs.

— E mesmo depois de muitos dias, você não os encontrou por causa do labirinto. — Zeus a interrompeu, dando prosseguimento. — Então, foi falar com Chronos.

Melancólica, a Senhora da Terra virou de costas, flutuou em direção à saída da caverna, e disse:

— Quando retornei ao local onde eu havia morrido, o ódio por Urano e Erebos ocupava meus pensamentos. Mas, ao ver Chronos ao lado de Réia, esse ódio foi colocado de lado pelo susto e pela preocupação. Afinal, eu ainda não sabia quem ela era e quais eram suas intenções.

— Esse é o motivo de você não se manifestar para eles? — Zeus quis saber dando um passo à frente.

— Não. — Gaia respondeu olhando para trás, por cima do ombro. — Apesar do meu receio, Chronos parecia feliz e isso me trouxe um alento que eu não esperava. — Levantou a cabeça como alguém que tenta segurar o choro. — Eu não quis estragar meu sentimento, e muito menos o dele, contando que parecia ser impossível resgatar os Titãs. Então, decidi me afastar enquanto os dois caminhavam através do tempo. — Baixou a cabeça. — Eu jamais teria tomado essa decisão se soubesse o que ele ia fazer. — Disse com a voz embargada.

— Mas você voltou no dia seguinte. — Zeus falou em tom de acusação. — Na mesma hora em que ele ameaçou me retirar a força de dentro da minha mãe. Por que não tentou impedi-lo? Por que deixou que ele levasse minha família para o Tártaro?

Nervosa, Gaia se pôs de frente para Zeus e disse:

— Porque era tarde demais. Chronos estava obcecado em resgatar os Titãs e não ia me ouvir.

— Você podia ter lutado contra ele. — Retrucou incisivo.

— E como eu faria isso? Como eu lutaria contra o Senhor do Tempo?

— Não sei. — Respondeu confuso. — Mas você devia ter feito alguma coisa. — E gritou. — Qualquer coisa.

— Você mesmo disse que sou apenas um espectro preso em meu domínio. — Gaia relembrou com mágoa.

Ao ouvir suas palavras sendo repetidas cheias de desgosto pela Senhora da Terra, Zeus arregalou os olhos, percebendo quanto peso elas carregavam.

— Daquele momento em diante, nada que eu fizesse teria efeito algum. — Ela disse decepcionada.

Reconhecer a verdade daquela afirmação deixou Zeus arrasado.

— Eu sei o que você está sentindo. — Gaia declarou. — Senti a mesma impotência e revolta quando Urano atacou meus filhos e os jogou no Tártaro.

Zeus olhou atento para Gaia, identificando, pela primeira vez, uma conexão com ela.

— Agora, tente imaginar o tamanho do meu sofrimento ao ver meu legado ser corrompido, e a felicidade de aproveitar a liberdade dos Titãs me ser negada, porque meu filho mais estimado e poderoso cometeu o mesmo erro de seu maldito pai.

— Você está certa. — Ele admitiu. — Não havia nada que você pudesse fazer.

A Senhora da Terra se aproximou, colocou as mãos sobre os ombros de Zeus e disse:

— Você me pediu para ajudá-lo, mas quem precisa de ajuda sou eu. Eu preciso que você destrua Erebos e resgate Réia e seus irmãos.

— Para lutarmos juntos contra Chronos? — Zeus quis saber, determinado.

— Não. — Ela disse de forma seca.

Zeus estranhou.

— Você ainda se espanta com minha sinceridade? — Gaia quis saber.

Ele respondeu com olhos aflitos.

— Nem você e nem seus irmãos têm poder para enfrentar o Senhor do Tempo. — Ela continuou implacável. — Essa é uma batalha que só pode ser vencida pelos Titãs.

Cabisbaixo, Zeus encarou seu punho fechado novamente e disse:

— Você está dizendo que sou fraco demais para ter minha vingança?

— Estou dizendo que, assim como eu, você não irá combater Chronos pessoalmente. Mas sua vitória sobre Erebos é fundamental para iniciarmos a derrota do Senhor do Tempo. — Fez uma pausa. — Olhe para mim. — Pediu com autoridade.

Zeus atendeu, mas sem esconder a decepção.

— Entende que se você deixar o sentimento guiar suas ações, as consequências serão terríveis?

— O que vai acontecer depois que eu destruir Erebos? — Perguntou demonstrando que havia entendido.

— Nós iremos até os Titãs e revelaremos todas as atrocidades de Chronos. Tenho certeza, mesmo sabendo que ele fez isso com o objetivo de libertá-los do Tártaro, ao verem você e seus irmãos, meus filhos vão entender o tamanho do erro cometido pelo Senhor do Tempo e irão encontrar um modo de derrotá-lo, restaurando meu legado.

— E depois?

— Por mais que me machuque ter que dizer isso, os Titãs vão construir um mundo de paz sobre a morte de Chronos. Um mundo onde todos nós viveremos juntos e felizes.

THEOGENESIS | Livro Um | Os Deuses e o MundoWhere stories live. Discover now