Capítulo 36 | Oferta

67 6 4
                                    

Com vinte côvados de altura e as mãos juntas em concha, Chronos caminhava carregando sua prole. O Senhor do Tempo estava de volta ao interior do Monte Pélion, terminando de descer pelo túnel escuro que antes o havia levado até Urano. Talvez exista algo bom no fato de meus filhos terem nascido assim, pensou. Eles parecem que ainda não sabem o que está acontecendo. Provavelmente não se lembrarão de que eu os entreguei para Erebos, presumiu chegando à câmara subterrânea onde ele e os Titãs haviam sido jogados. Mas, como era de se esperar, não havia ninguém lá.

Então, Chronos expandiu a aura acesa e gritou:

— Erebos. Apareça. Tenho algo para oferecer a você.

Em outra câmara do submundo, o espectro de Erebos, com os olhos fechados e o cenho franzido, flutuava sobre os Titãs desacordados. Durante os oito dias após a morte de Urano, o Senhor do Tártaro esteve absorvendo, pouco a pouco, as energias que deveriam ser usadas na recuperação de seus prisioneiros. Logo à frente, um constructo com vinte côvados de tamanho, composto de pequenas rochas e idêntico a aparência de Erebos, irrompia vagaroso do chão, recebendo os últimos pedregulhos que faltavam para completar suas pernas. Preocupado em preservar a vida dos Titãs até o término daquele momento crucial, o Senhor do Tártaro aumentou seu brilho rubro de maneira progressiva. As pequenas rochas acenderam feito carvão em brasa e iniciaram o processo de fusão, transformando-se em um material vitrificado, semelhante ao do antigo invólucro de Erebos. Mas, contrariando a vontade do espectro negro, os corpos pálidos dos Titãs cessaram a emanação de suas energias e definharam, tornando-se retorcidos e escuros, como troncos de árvores queimados. Sem a força necessária para concluir a fusão, o constructo quebrou, esfarelando-se pelo solo.

— Não! — Erebos gritou possesso conforme duplicava a intensidade de seu brilho rubro e, ao tentar restabelecer a absorção, fez os corpos moribundos dos filhos de Gaia serem contorcidos e envergados, até quase se quebrarem, sob o poder de seu ataque.

— É inútil. — O espectro disse com escárnio, depois de um tempo.  — Eles estão...

Contudo, antes que pudesse completar a frase fatídica, as palavras de Chronos, carregadas pelo vento, enfim chegaram à câmara, assustando Erebos.

— Algo para me oferecer? — Ele repetiu em voz alta, desconfiado.

Em troca de seus irmãos, é óbvio, pensou logo em seguida. Mas Chronos sabe que, aqui, seu poder é inútil. Pois, mesmo tendo todo o tempo do mundo para procurar os Titãs, ele nunca os encontraria em meu labirinto. De qualquer forma, é bom estar preparado para tudo. Até para o desespero de tentar me enganar, concluiu desaparecendo.

Será que Erebos não me ouviu, Chronos pensou preocupado enquanto levava as mãos à altura do rosto. Impressionante, eles estão dormindo como se estivessem no lugar mais seguro do mundo, refletiu observando os sete filhos de perto. Depois alargou as narinas e, devagar, inspirou o cheiro agradável dos bebês.

— O que você trouxe para mim? — O Senhor do Tártaro disse de repente, sem se manifestar.

Sua voz gutural, vinda de cima, reverberou pela câmara, indicando que o espectro negro estava escondido dentro das paredes rochosas.

THEOGENESIS | Livro Um | Os Deuses e o MundoWhere stories live. Discover now