51 - EPÍLOGO PARTE FINAL - Adriel

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– Sua aparência está ótima – disse a recepcionista aparentando surpresa. – Pelo visto o novo coração te deixou bem mais animado.

– Não apenas um coração novo, mas principalmente o que o preenche – Natiel estava rindo, é claro.

Olhei para ele com uma expressão forçada de desagrado, porém sabia que não conseguia fazê-lo. Eu estava querendo rir também, mas me contentava em esboça-lo. Eu precisava me guardar.

– Seu irmão Daniel não veio? – Ela perguntou cética.

Respondi mantendo o bom humor:

– Ele não tem o que fazer aqui, Cris...

Ela me encarou mais surpresa. Provavelmente pensava que eu não sabia o seu nome.

– Então, quem veio acompanha-los? – Prosseguiu atônita.

– Viemos por nós mesmos. Cansamos de bancar os de menores – adiantou-se, satírico, Natiel e logo me alfinetou.  – Mas, de qualquer maneira, não estaremos sós.

Era a maneira dele de levar tudo. A maneira dele de se manter bem-humorado e manter esse bom ânimo era a melhor maneira de levar a vida. Agora eu sabia...

Mal pudemos trocar qualquer outra frase, eis que surge, numa velocidade impressionante, o motivo do meu alto astral... Não, mais que isso: o sentido da minha vida. Piegas, eu sei... Eu estava perdido.

– Eu me atrasei? Desculpem-me – Falou de modo entrecortado, ofegante.

– É assim que você diz que cuidará de nós? – Usei de ironia ao fita-la, fingindo desagrado.

– Ah, desculpe-me querido – Estela ficou na ponta do pé e me deu um selinho. – Jadir me tomou mais tempo do que deveria.

Suspirei e ainda fingindo irritação falei:

– Então esqueceu-se de mim por causa daquele escroto?

Estela riu e respondeu:

– Estávamos confirmando a sua reunião com o editor parente dele, se esqueceu disso?

Sua expressão brincalhona me fazia querer beija-la mais. Porém, na recepção da clínica de fisioterapia não me parecia o melhor lugar...

– Ah sei – continuei no tom. – Com aqueles rabiscos furtados?

– Autorizados – me corrigiu e me abraçou de lado, envolvendo minha cintura. – Falando nisso, até hoje você não me traduziu aquele soneto. O meu soneto.

Ruborizei.

– É mesmo necessário? – Indaguei com mais seriedade.

Ela assentiu.

– Então – comecei a enrolar... – Quem sabe... Mais tarde...

Estela olhou para mim semicerrando os olhos e com uma leve irritação.

– Eu quero saber Adriel... Não é justo que esconda de mim! Mesmo que eu tenha visto sem permissão. O fato é que eu vi e...

Eu a beijei, fazendo-a cessar com o falatório, não me importando mais com ninguém que estivesse ali ou com o lugar. E, ainda que o prognóstico médico dissesse que, mantendo os tratamentos, eu ainda poderia viver por muitos anos, eu não queria mais arriscar. Queria viver cada momento como se fosse o último e, se pudesse, ao lado dela.

***

Eu havia terminado a tradução do soneto. É claro que eu não vi nenhuma dificuldade em fazê-lo, mas eu não me sentia preparado em mostra-lo a quem ele se destinava.

Eu nunca me importei muito com o tempo... Para mim, todas as horas eram igualmente aborrecidas. Porém, ele ganhara grande importância, visto que eu sempre estava atento a fim de me certificar de quanto faltava para que eu pudesse encontrar Estela novamente. A minha Estela.

Naquele soneto, em especial, eu havia substituído todas as vogais portuguesas por vogais coreanas. Eu acompanhava alguns filmes e séries orientais e tinha um gosto particular pela escrita deles, mais até do que a fala. Então, codifiquei-o assim. Não havia outro do meu escrito que fosse mais importante para mim.

Assim se dá para imaginar o tamanho do meu susto quando percebi que Estela o havia visto... E agora como eu podia negar isso a ela? Não... Eu não negaria! Não poderia...

Eu havia prometido a ela e a mim mesmo que nunca mais a rejeitaria.

Ela me fez sorrir... Ela me fez voltar... Ela me fez acordar... Ela me fez conseguir me levantar sem ajuda... Me fez conseguir andar... Me fez sonhar... Ela me faz despertar todos os dias com a ansiedade de poder ouvi-la, de poder senti-la, de poder vive-la. Eu já não poderia mais me negar a ama-la. E minha devoção por ela se aprofundava.

Fitando atentamente o rascunho do soneto traduzido me pus a rir. E pensar que Estela havia roubado alguns dos meus versos e, dentre eles, o mais importante, aquele que se destinava a ela... Ah Estela... Me pus a suspirar. Até mesmo suas loucuras me encantam.

Peguei o celular de Daniel, que ainda me servia de grande comunicador, e comecei a fazer a montagem das palavras. Logo terminei e enviei. Mal podia esperar pela resposta que teria... Com certeza, ela me surpreenderia mais uma vez.

É tão bom poder ama-la...

Adriel se recostou na poltrona da varanda da própria casa, colocou o celular sob a mesa, fechou os olhos e adormeceu. Em seus sonhos vinham a imagem de sua amada junto a ele em um imenso campo florido no qual os dois, de mãos dadas e com uma alegria infantil, corriam desde o nascer até o sol descer em um ciclo eterno de confidências, união e amor.

FIM

PS: Confiram o vídeo que contém o soneto de Estela e momentos da história (que também está na descrição, porém com vocal diferente e disponível para visualização de outros dispositivos):

DEBILITADO - Livro 1 [COMPLETO] - Trilogia dos irmãos AmâncioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora