42 - A RAZÃO DE MINHA FORÇA

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Eu estava agindo quase que de forma automática.

Peguei minha mochila com algumas poucas coisas que havia levado comigo e voltei. A contragosto de meu pai, porém apoiada por minha mãe que parecia, naquele instante, me entender muito mais do que ele ou minha tia. O psicólogo também ajudou afirmando que não havia nada de errado comigo. É claro que não havia! Tudo estava certo agora... Muito certo!

Pouco prestei atenção na viagem de volta, ou na conversação da irmã de meu pai. Seria uma viagem de 2h30, saímos pouco depois do almoço, então chegaríamos pouco antes do anoitecer a cidade mágica. Apesar de sempre ter a ideia de sair da fazenda, nunca pensei que me sentiria em casa em outro lugar. Aqueles poucos dias longe, porém, me fizeram perceber que o meu lar já não era aquele.

Volta e meia eu pegava o meu celular. Havia colocado os fones de ouvido, mas não estava escutando coisa alguma. Apenas queria uma desculpa para não estar prestando atenção ao falatório de minha tia.

Daniel não me mandara nada após aquela última frase.

Eu tentava me controlar. Por fora, com exceção da mão direita trêmula, eu aparentava controle, mas por dentro eu estava um turbilhão de ansiedade, pronta para transbordar e explodir. Estava feliz em voltar, óbvio, mas eu tinha medo e esse medo aumentava gradualmente conforme nos aproximávamos. Meu estômago estava doendo e eu já não estava suportando minha cabeça. Estava um pouco zonza e acabei adormecendo.

Linhas horizontais... Linhas verticais... Anil, amarelo, violeta, laranja, verde, vermelho, rosa... Linhas diagonais... Linhas se mexendo... Eu estava ficando enjoada, muito enjoada!

Despertei em desespero, logo colocando a mão na boca. Minha tia entendeu e estacionou o carro a tempo d'eu abrir a porta e vomitar.

- Mas, Estela, o que você comeu, menina? – Ouvi minha tia questionar ao longe. Eu não me lembrava mais de minha última refeição... Acredito que tenha apenas tomado café de manhã.

Retornei minha cabeça, apoiando-a no encosto do carro. Com náusea, dor de cabeça, dor de estômago, com calafrios e sudorese, e...

- Como você está pálida! – Exclamou. – Melhor irmos ao médico.

- Não precisa – falei com algum esforço e puxando ar. – Já está passando... É apenas ansiedade... estou um pouco nervosa.

Não continuou o falatório. Com o canto do meu olho esquerdo vi que minha tia enrugou a testa desaprovando, mas ela decidiu seguir caminho. Ela imaginava que eu ainda estava impressionada com tudo o que acontecia com meus colegas... Na verdade, eu estava muito mais do que isso. Aqueles meus colegas de piscina... Com exceção de Victória, até mesmo quanto ao professor, todos eles me envolviam. É como se cada cor de um arco íris representasse cada um deles, e a cor mais viva, a mais brilhante, era a daquele por quem meu coração sempre clamava. Empertiguei-me no banco do passageiro e tentei me refugiar em outros pensamentos. Mikaela, Emerson, Jadir, o professor... Aliás, qual era mesmo o nome do professor? E quanto a Victória? Ela quase não perdia uma aula de natação. Até tinha voltado, embora o professor não. Como ela conseguia se manter tão distante de nós? Não nos permitia aproximação ou qualquer vínculo... Não que eu fizesse questão, mas com tantos acontecimentos eu acho que... Ah, do que me adianta pensar nisso?

- Soube que seu professor de natação voltou a dar as aulas – ouvi minha tia dizer nitidamente.

Eu olhei curiosa para ela, enquanto ela mantinha a atenção na estrada. Reparei então que meus fones de ouvido tinham caído, junto com o celular. Provavelmente enquanto eu dormia.

Enquanto me abaixava para pegá-los, perguntei:

- Como soube? – Mal terminei a pergunta bati minha testa no porta-luvas – Ai!

Minha tia sorriu e me respondeu:

- Aquela da recepção, a Helena, me disse quando fui até lá para trancar sua matrícula. E tem mais uma coisa...

- O que é? – Perguntei enquanto amparava o meu osso parietal direito e com o olho de mesmo lado fechado.

- Eu fui colega de escola dela! Você sabia? Ficamos conversando por um tempão e...

"Ah, sério isso?" – Pensei entediada. Enquanto minha tia tagarelava, fazendo um sonoro ruído nada harmonioso de fundo, olhei para meu celular e congelei.

- O que foi Estela?

Esforcei-me para me recuperar rapidamente, enquanto com a visão periférica vi minha tia tentando ver o que havia com meu celular que me deixara paralisada por um tempo.

- Quebrou, foi?

Eu precisava reagir. Eu precisava me mexer! Com a queda, o celular entrou em um modo de segurança, emudecendo. Mas, olhando para a tela eu podia ver. Daniel estava me ligando. Eu precisava atender!

Com um esforço, muito maior do que o normal, movi meu polegar para teclar o recebimento da chamada. Trêmula, levei o aparelho até meu ouvido mais próximo, mas nada consegui dizer... Ouvi alguns ruídos nada guturais, interferências ou não sei o quê, até conseguir ouvir a voz...

- Alô? Estela? Você está me ouvindo?

Engolindo pesarosa uma grossa saliva de mau hálito, respondi gaguejando:

- O.oi...

- Ah que bom que você está aí – ele não falava de modo aliviado. Estava tenso, falava alto, rápido... - Eu sei que você está na fazenda de seu pai, mas, é que... Ah, eu nem sei como explicar...

Daniel estava hesitante e eu não conseguia estimulá-lo. Estava com medo...

- É que estamos no hospital... – Ele continuou, enquanto meu coração palpitava. A voz de Daniel se distanciava. ­– Meu irmão sofreu uma parada cardíaca... - Estava mais distante. – Mas, antes de desfalecer ele pediu para te ver... Ele não vai resistir, Estela!

Daniel estava chorando e eu, aturdida, retirei o celular do meu ouvido e olhei para ele como se fosse algum equipamento de mau assombro.

- O que foi Estela? Você está ainda mais pálida!

Devagar olhei para ela.

- Fala alguma coisa! – Ela parecia gritar, sua face se alterava com rugas de expressão.

- Precisamos ir ao hospital do centro – disse por fim. Não me lembro de ter respirado, de ter piscado; na verdade me impressionava a força que eu tive para falar. Ainda assim, sentia um tremor no meu lábio inferior e uma irritação crescente na pálpebra esquerda. Não podia desabar agora... Mas, como eu me impediria de surtar? Eu não podia... Por ele eu precisava estar forte!

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When I am down and, oh my soul, so weary,

When troubles come and my heart burdened be

Then I am still  and wait here in the silence,

Until you come and sit awhile with me

DEBILITADO - Livro 1 [COMPLETO] - Trilogia dos irmãos AmâncioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora