Confissões

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Eu vejo. Eu sei que existe, mas não sei como é ter. Pois nunca senti em minha vida o verdadeiro conceito aplicado da forma que deveria ser.

Família. Sei como é ter uma mãe, mas se não sei como é ter um pai, também não sei como é ter uma família. Pelo menos esse é o padrão, constituída por pai, mãe, irmãos, ou qualquer pessoa geneticamente ligada.

Não me dirigi até a última aula. Dei preferência vir ficar aqui sentada na arquibancada da quadra, olhando o nada, e pensando na atividade que a professora acabara de passar. Fazer uma dissertação argumentativa sobre: "Relação entre família e suas respectivas influências na ingressão do jovem na sociedade".

E exatamente por isso fiquei triste. Todos os meus sentimentos em relação a não ter uma família de verdade, vieram à tona. Desde criança ansiava pela presença de um pai. Via outras crianças com a mãe e o pai, e me indignava que comigo faltasse um deles. Minha mãe tentava me explicar que aquilo era normal, que assim como havia pessoas que não tinham pai, também havia aqueles que não tinham mãe, ou para piorar ainda, havia os que não tinham nenhum dos dois.

Mas mesmo com tudo que ela falava, eu continuava frustrada (eu era uma criança muito difícil de se lidar). Depois, quando tinha nove anos ela me apresentou Roman, dizendo que ele seria como tal para mim. À primeira vista não gostei dele, com a convivência passei a odiá-lo... Dessa forma continuei sem um pai, e pior era que às vezes sentia que também estava perdendo minha mãe. Ela nem sempre era mais a mesma, não me dava toda atenção de anteriormente, pois tinha que dividir esta com o seu novo marido.

Alguns que assim como eu não tem pai, podem não se importar em saber sua origem, de quem se trata, ou até mesmo conhecê-lo pessoalmente; no entanto, eu me importo.

Afundo minha cabeça entre as mãos.

Será que é tão difícil assim, revelar apenas o nome? Apenas o nome dele. Por que será que minha mãe faz tanto mistério a respeito disto?

Me lembro que uma vez, quando ela e Roman não estavam em casa, vasculhei toda a residência a procura de pistas que me direcionassem para algo relacionado à ele. Porém, infelizmente não encontrei nada, então parei de procurar.

Hoje me arrependo.

Não deveria ter parado de investigar. Poderia ter continuado persistente, insistindo para minha mãe falar a verdade, nem que fosse mais um milhão de vezes; buscando de todas as formas possíveis. Mesmo que não conseguisse o resultado esperado, saberia que pelo menos eu tentei, que eu corri atrás.

Mas, e agora?

Eu penso que como estou longe da minha cidade, seria mais difícil tentar algo neste momento. Droga! Sou uma idiota! Não sirvo para completamente nada. Sou fraca... Essas dores parecem que nunca cessarão. E eu sempre ficarei nesse mesmo ponto, e nunca chegarei à resolução do maior problema da minha vida. Sinto meus olhos arderem e algumas lágrimas escorrem pelo meu rosto, indo diretamente para minhas mãos que estão coladas junto a minha face. Meu coração está partido, a tristeza me consome...

Percebo a presença de alguém perto de mim e sua ação repentina de sentar ao meu lado. Um aroma amadeirado misturado a frutal cítrico invade minhas narinas; Sinto um frio na barriga e minha respiração torna-se irregular. De maneira lenta, levanto minha cabeça e a viro para o lado oposto, dando-me a chance de enxugar a umidade presente em meus olhos. Inclino minha cabeça para a direção ao meu lado que está ocupado, depois que rapidamente limpei as lágrimas dos meus olhos. Ele não olha para mim. Seu olhar está fixo para o centro da quadra de esportes, ou seja, para o nada, pois não há uma pessoa sequer aqui, além de nós.

Também fixo minha visão para o espaço, mas continuo o vendo pelo canto do olho, e sei que ele não mudou a posição do seu rosto.

- O que faz aqui? - pergunto com a voz embargada. Aguardo a resposta, só que esta não veio. Ele permanece calado, então arrisco uma espiada maior em sua expressão, que denota rijeza e seriedade total.

InalcançávelOnde as histórias ganham vida. Descobre agora