— Vai almoçar? — perguntou ela, me tirando do transe.
O relógio no canto do computador marcava meio-dia e sequer vira o tempo passar.
— Pode trazer algo pra mim, por favor?
— Posso, mas… — Eu já imaginei Sol dizendo que trazer meu almoço não era seu trabalho e o pedido de desculpa parou na ponta da língua quando ela
continuou. — Devia sair daqui um pouco mais, doutor. Pelo menos na hora do almoço. Nos últimos meses, o senhor tem chegado ainda mais cedo e saído muito mais tarde. Precisa se desvincular um pouco do MP.

— Eu tô bem, é sério — menti.
— Péssimo mentiroso. Tem certeza de que já foi advogado? — provocou ela.
Sorri envergonhado.
— Acho que foi por isso que mudei de profissão.
Ela também sorriu, mas logo o gesto morreu e o rosto voltou a ficar sério.

— Não limite sua vida a isso aqui, ou isso aqui vai acabar com você. — Sol balançou a cabeça de um lado para o outro. — Desculpe a intromissão, mas gosto muito do senhor para concordar com essa sua vontade de fazer parte da decoração da sala. O pedido de desculpas foi sincero, mas ela não se arrependeu.

— Você também é minha amiga. E amigos têm liberdade pra um puxão de orelha de vez em quando. — Por favor — disse com entusiasmo. — Já sou intrometida demais sem
esse tipo de liberdade. Não dê asas a cobra. Balancei a cabeça, rindo. — Só você mesmo, dona Sol. E, para o seu governo, vou sair com Fabrício hoje depois do expediente.

— Ele disse que o senhor não tinha aceitado.
— Bem — inclinei a cabeça —, acabei de mudar de ideia.
Ela manteve uma expressão satisfeita e saiu sem dizer mais nada. Porém, antes de chegar à porta, perguntou, virando-se para mim: — Foi uma mulher? Confirmei com um aceno de cabeça.
— Caminhos opostos.
Ela assentiu.
— Já  pensou em apenas seguir na mesma direção? Às vezes funciona.

Piscou e saiu.
Sentei, recostando na cadeira, pensando em suas palavras e sobre como elas pareciam trazer uma solução simples para os meus problemas. Abri a gaveta e a foto dela estava lá. Eu a encontrara no banco de trás do carro um tempo depois
do julgamento. Devia ter se soltado do processo. E eu deveria tê-la devolvido,
mas não o fiz. Gostava de olhar para ela e imaginar que estaria vivendo uma vida bem melhor, longe de todo o seu passado. Passei o dedo pelo seu rosto, como se a tocasse. Como desejava tocá-la.
Eu ainda pensava em Elisabeth.
E o pensamento nela ainda fazia meu coração acelerar.

(...)

— Sol está preocupada com o senhor.
— Eu sei — respondi a Fabrício. — Aqui é “você”, não “senhor”, tudo bem?
Ele deu de ombros, levando a garrafa de cerveja à boca.
— Sol está preocupada com você.
Sorri.
— Isso já deu pra perceber.
Ele deu de ombros como se dissesse foda-se, fiz a minha parte.

Olhei todas aquelas pessoas ao redor, mas não conseguia agir como elas. Sorrindo, conversando, se distraindo, bebendo. Fora vencido pelo cansaço, por isso estava terminando minha sexta-feira em um bar apenas para mostrar para as pessoas que eu tinha uma vida além do MP, mesmo que isso não fosse a
verdade completa.

Visitava meus pais, sempre que possível estava com Alexandre e Clara e também passeava com Vitória. Acontece que esse não era o tipo de relacionamento que esperavam de mim. Não tivera mais ninguém desde Sofie. A coisa toda não engrenara e eu sabia bem o motivo.
Por causa dela.

Bem… Ela se fora sem que eu tivesse pelo menos a chance de tentar. Queria não pensar em Elisabeth, porque tudo aquilo era loucura. Eu mal a conhecia.
Quer dizer…

Conhecera suas dores, mas não seu coração. Enxergara suas feridas, mas não o que a fazia sorrir. Sabia dos seus medos, mas não o que lhe trazia alegria.

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