CAPÍTULO 72

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Outrora Barão das extensas e ricas terras de Fannel, Calisto agora meditava sobre sua situação em sua casa nas colinas ao sul do Ducado de Kamanesh. Era uma noite chuvosa e uma tremenda tempestade parecia formar-se no horizonte. Escutava o fraco som dos trovões distantes enquanto pensava na sua delicada situação. Um revés que lhe tirou grande poder que havia conquistado. Além das preocupações políticas, militares e territoriais, pensava muito na rainha. Ela era sua passagem para o trono de Lacoresh, porém, não poderia alcançá-lo sem antes retirar de seu caminho o rei e seus filhos. No momento, parecia não haver o que fazer, estava sem opções. Não restava nada exceto administrar bem suas terras e aguardar.

No entanto algo lhe incomodava a consciência. O seu papel. Por mais que pensasse não chegava a uma solução clara sobre o assunto. Era o escolhido, investiram-lhe de poder. Toda aquela história. Fora criado por Thoudervon desde criança, teria sido tirado de seu pai, um Tisamirense chamado Shaik Kain. O breve encontro que teve com seu genitor abalou um pouco de suas crenças. Já aprendia com Radishi sobre os poderes mentais adormecidos que possuía dentro de si e que na cidade oculta de Tisamir, muitos tinham e dominavam tais poderes. Seriam essas faculdades hereditárias?

Algo não saía de sua mente. As palavras de seu pai: – Então não terei alternativa a não ser poupá-lo de sofrer ainda mais nas mãos dos impuros.

Era fato, estava à mercê da aliança dos necromantes. Não sabia de seus propósitos finais e sentia-se uma peça no jogo. Muito fora lhe falado a respeito de um jogo. O próprio Thoudervon teria dado a entender que não precisava ser um peão. Mas o que fazer? Como se libertar daquela condição. Não apareciam respostas. Meditava noite adentro enquanto observava a tempestade se formar. Logo, sua casa de madeira e pedra no alto da colina começou a ranger, tremer e balançar. Janelas se batiam, percebia os pensamentos dos criados no piso de baixo fechando as janelas, com medo da tempestade.

Mas ainda, não lhe saiam da mente os acontecimentos nas montanhas geladas de Thai. Depois que se salvou da derrota contra seu pai, aquele estranho homem veio. Kurishe´tou, se chamava. Ele dizia que o destino tinha lhe favorecido e que devia aproveitar esta oportunidade. Que será que queria dizer com aquela palavra, carma?

E depois disso tudo, não teve oportunidade de conversar com Radishi. Mesmo tendo, por várias ocasiões, projetado seus pensamentos em busca do mentor, não houve resposta. Estaria morto, seu professor? Talvez, somente ele pudesse esclarecer suas dúvidas e trazer paz à sua mente. Sentia-se cansado de tantos conflitos e por vezes, em seus sonhos, era atormentado pelas pessoas que torturou, pelas pessoas que matou. Não queria dormir. Não queria aqueles pesadelos. Desejava intensamente dividir seu leito com Alena. Mas vê-la, era muito perigoso. Tudo parecia perigoso. E talvez, a única coisa que lhe fazia seguir em frente era o ódio. Seu desejo de vingança contra Serin, Maurícius e Weiss.

Foi então que se assustou. Sua janela mostrou a silhueta escura de um homem contra a luz de um trovão distante. Como teria chegado até ali? Escondera sua presença mental, mas como, quem seria aquele homem?

– O que quer? – disse Calisto concentrando-se.

Recebeu em sua mente, pensamentos do homem. “Apenas conversar.”

Calisto destravou as janelas e deixou o estranho entrar em seus aposentos. Era um homem forte, de cabelos longos e expressão madura no rosto. Estava encharcado e chuva e um vento frio acompanhou sua entrada. Logo Calisto voltou a fechar a janela enquanto o estranho aproximava-se da lareira acesa.

– Meu nome é Vekkardi e sou amigo de Radishi.

– Vekkardi? Sim ouvi falar de você, um dos rebeldes mais procurados. Foi Radishi que lhe enviou?

– Não, mas vim por sua causa. Vim para pedir sua ajuda.

– Minha ajuda? Explique-se! – exigiu o nobre, indicando com um gesto que Vekkardi se sentasse.

Vekkardi estalou os dedos das mãos após sentar-se e disse, – Radishi foi capturado por um dos seus e é mantido como prisioneiro.

– Mesmo? E quem conseguiu essa façanha.

– Um que chamam de Arávner.

– Não sei de quem se trata.

– Pelo visto, você sabe muito pouco.

– Sei do seguinte, de alguma forma estão jogando comigo, estão me testando e não gosto nada disso.

– Imagino que deve ser, de fato, desagradável.

Fez se uma pausa, e, no silêncio entre eles, cresceram os sons da tempestade.

Vekkardi voltou a falar, – Meditei muito antes de resolver fazer um contato. Jejuei e procurei limpar minha mente. Já sei de tudo que devo fazer para reencontrar minha paz, porém, por minha culpa meu amigo Radishi está cativo e meu mentor, tutor, meu pai, está morto.

– E em suas meditações acreditou que eu o ajudaria? Por que acha que eu o ajudaria?

– Eu sei que você precisa de Radishi para libertar-se das garras da aliança necromante. E eu quero ajudá-lo.

– Imagino que sabe de meus planos para Lacoresh, caso consiga sobrepujar os necromantes, e mesmo assim quer me ajudar?

– Dos males o menor. Além do mais, acho que você é jovem e ainda tem oportunidade de aprender com seus erros. Não o culparia por ser como é. Sei que foi moldado pelos malditos para ser maléfico, não é inteiramente culpa sua. Se fosse eu, não sei se seria diferente.

– E o que sabe sobre os planos dos necromantes?

– Não muito, meu mentor não discutia esse assunto em profundidade, apesar de por algumas vezes eu ter insistido. Mas tenho certeza, é algo terrível o que almejam, algo que poderá afetar muito mais que as terras de Lacoresh.

– Certo, digamos que concorde em ajudá-lo. Que tipo de oponente é esse tal Arávner.

– Terrível. Eu o vi lutando. Nem se quer usa o corpo. Apenas com poder de sua mente é capaz de esmagar e destruir seus oponentes.

– Você diz, que destrói as mentes de seus oponentes?

– Não! Destrói seus corpos. Sua mente, ou sua magia, ou, seja o que for, é capaz de fisicamente afetar seus oponentes.

– Entendo. Por que acha que posso derrotá-lo?.

– Não sei, talvez não possamos derrotá-lo sozinhos. Precisamos de mais aliados.

– Algum rebelde?

– Talvez, mas tinha em mente dois de seus antigos aliados. Elser e Dagon.

– Vejo que sabe bastante sobre mim. Mas não tenho tido contato com nenhum dos dois, de fato, há meses que não sei do paradeiro de Elser. Ainda assim, talvez não sejam páreo para tais poderes que acaba de descrever.

– Você está enganado Calisto. Elser herdou o legado do silfo Rodevarsh. Eu mesmo pude ver uma tremenda demonstração de seu poder.

– Como se deu isto?

– Após a grande avalanche e a morte de meu mentor, escalei a montanha que lhe serviu de túmulo e comecei a jejuar e a realizar minhas meditações. Poucos dias depois, percebi se instalando no local um grupo de criaturas mortas vivas comandadas pelo cavaleiro Dagon. Humanos, vindos de Lacoresh, acamparam-se num bosque próximo, pareciam aguardar a os progressos da escavação de Dagon. Eu estava em alto estado de concentração e pude acompanhar mais de perto os acontecimentos sem revelar minha presença. Após um confronto entre os mortos e os humanos acampados, surgiu da espreita Elser acompanhado de criaturas de grande poder. Houve uma confrontação entre Elser e Dagon sendo que o silfo levou consigo o orbe pertencente a Rodevarsh. Mais tarde, este rumou em direção à floresta de Shind.

– Entendo.

– Eu sei da localização da fortaleza de Arávner. Acredito que em pouco tempo Arávner irá converter Radishi em seu servo, assim como fez com nosso amigo Noran no passado.

Calisto estava confuso com toda aquela história e não sabia se estava prestes a precipitar-se. Mas por outro lado, também estava cansado de sentir-se um joguete. Sabia que precisava de Radishi para libertar-se.

– É hora de virar a mesa! Vou ajudá-lo.

Maré VermelhaWhere stories live. Discover now