CAPÍTULO 62

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Os hinos entoados pelos acólitos da Real Santa Igreja deixavam Calisto tranqüilizado e ajudavam-no a pensar. Era dia de culto na Catedral de Liont e sua posição de Barão exigia sua presença. Sua visita à necrópole não saia de seus pensamentos. Observava o interior da catedral no fim de tarde. Luzes vibrantes atravessavam os vitrais multicoloridos refletindo sobre o interior repleto de esculturas e ornamentos com temas religiosos. Muita riqueza era ostentada naquele templo, com figuras cobertas por ouro, prata e pedras preciosas. Se nos tempos atuais apenas as vozes de falsos profetas podiam ser ouvidas nestes espaços, ao menos, algum traço da divindade ainda podia ser percebido na beleza das formas, cores e espaços.

Sua mente isolava-se do entorno travando possíveis conflitos políticos. Vantagens, desvantagens, causas e efeitos. No meio de sua trama um desvio: uma fragrância ou cor levou seus pensamentos à rainha; Alena. Como ela atrapalhava seus planos! Como ela atrapalhava tudo!

O culto prosseguia, diversos meninos e meninas de olhos eclipsados eram levados ao altar e louvados. Era neles que o povo ignorante depositava suas esperanças. Os anunciadores de um tempo de paz e grande fartura. Enquanto os hinos deixavam o barão mais calmo, a ladainha proferida pelo Bispo Piont conseguia irritá-lo profundamente. Na mente de Calisto novos pensamentos: “A grande eclosão! Grande eclosão? O que poderia significar? Preciso descobrir sobre isto a todo custo!”

Por vezes, Calisto começava a detestar as responsabilidades adquiridas por sua nova ocupação. Considerou por várias vezes os pesos de suas decisões. Por que não fugir com a Rainha rumo a Dacs? Poderiam levar muitas riquezas e ter uma vida calma e proveitosa. Mas e quanto ao estratagema dos sete aliados obscuros? Não poderia dar as costas para algo assim. Corria o risco de ser vítima da eclosão. O que aconteceria com lugares distantes como Dacs? Seriam dominados? Envolvidos em algum conflito? De que valeria riqueza. De nada! A única coisa que tem valor é a força e astúcia. No fim, tudo se resume à lei do mais forte. É por isso que precisava ser forte e astuto.

Tomado pela surpresa, ouviu em sua mente: “Caro Barão. Não deve descuidar-se dessa forma com seus pensamentos!”

Calisto fechou sua mente, percebendo sua distração. Talvez a música, talvez Alena. “Radishi? Tão perto?” Uma olhadela para trás, revelou ao longe, como fonte dos pensamentos, um homem envolto em manto humilde, feito de retalhos sujos e envelhecidos.

“De certo, meu caro amigo, é hora de conversarmos sobre assuntos importantes”.

“Muito bem, diga o que deseja rebelde atrevido!”

“Desejo ajudá-lo, e muito. Mas antes você precisa se decidir.”

“Fala de tomá-lo como professor, não é?”

“Sim, tenho observado você e aguardando uma boa oportunidade para discutirmos o assunto”.

“Como assim, me observado?”

“Para mim, é uma tarefa simples manter minha presença oculta, mesmo com suas faculdades”.

“Entendo. É um grande jogo e já tomei minha decisão: não serei mais um peão.”

“Muito bem. Que possamos acertar nossos encontros. O que acha de tomar lições aqui mesmo na catedral, durante os cultos?”

“Está certo disso?”

“Imagino que seja a melhor maneira de não levantar suspeitas indesejadas. Afinal, podemos trabalhar com a mente. Mas está certo, meu caro, para algumas lições mais duras, talvez precisemos combinar um outro local. Afinal, não seria bom se você fosse visto gemendo ou desmaiando durante os cultos.”

“Percebo”.

“Comecemos na semana próxima e lembre-se: fique longe da cordilheira.”

Desfizeram o contato mental e cada qual pensou separadamente.

Maré VermelhaWhere stories live. Discover now