CAPÍTULO 55

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Havia algo na escuridão que atraía Vekkardi. Pensava em como havia sido ludibriado por Clefto, como quase havia morrido e em como desejava buscar sua vingança. Enquanto caminhava, cansado através dos campos tempestuosos e desérticos do Baronato de WhiteLeaf, sua mente vagava. Pensava em quantas lutas, quantas infelicidades haveria em toda a extensão daquela terra. Quanto sangue era derramado sob o olhar quieto e regular das luas em seu curso constante. E mais uma vez chorou por seu irmão e escutou em sua memória sua voz, já bestial implorando por comida. “Co..comiiii...daaaa....”

Em seguida, lembrou-se de uma discussão severa que tiveram. A última vez que se falaram.

Estavam na confortável morada de Alunil, nas montanhas. – Escute Rikki, você deve escutar o Senhor Alunil! Não deve ir para o sul! Há muitos problemas por lá!

– Eu sei disso, irmão. – disse o garoto transtornado. – Tenho tido pesadelos todos os dias! Haverá muita morte, muita destruição!

– Eu entendo... Mas não há nada que possamos fazer, o senhor Alunil já nos advertiu!

– Alunil só quer nos proteger! Perdeu todo o senso de responsabilidade. Fica escondido nas montanhas enquanto muitos sofrem lá fora!

Vekkardi lembrou-se de como ficou irritado e de como gritou, – Isso não é verdade! Eu não adminto! Não admito que fale do senhor Alunil desta maneira!

– Não quero saber do que você admite ou não... Eu vou, tenho que ajudá-los! E você, devia se envergonhar e vir comigo. Todo seu treinamento e conhecimento precisam ser usados para ajudar aqueles que estão em necessidade!

– Não é isso irmão! Você não está pensando...

– Quem não está pensando é você, tornou-se um covarde e vai ficar aqui nessas paragens até o fim de seus dias!

Vekkardi havia perdido a paciência e compostura por completo. Levantou-se e deu um tapa no rosto do irmão. Rikkardi, mais novo, mais ousado, olhou-o com olhar congelante. Deu as costas e foi em direção a seu quarto. Depois disso, Vekkardi só viu seu irmão novamente na forma de um zumbi miserável quando resgataram os escravos das minas próximas a Xilos.

Como os céus, a mente de Vekkardi estava nebulosa. Havia muito ódio e sede de vingança em seus pensamentos. Parecia que seu irmão, sempre fora mais maduro que ele. Era como se a única forma de mover-se, evoluir, fosse através de seu irmão. Era no ideal de salvá-lo que os únicos bons pensamentos do viajante mantinham-se. O restante era uma grande tempestade.

Era uma tormenta de raios e trovões, muita energia. Desconhecia o poder que havia dentro de si, e que esse poder quando somado a muita mágoa e ódio, crescia bastante.

Ao amanhecer, continuava sua marcha e avistou uma ponte para atravessar o rio cujas margens seguia há algum tempo. A ponte era também um marco de fronteira e adiante havia um forte. Nele forças militares do Barão de Whiteleaf mantinham vigilância constante buscando evitar uma invasão de alguma horda dos bestiais.

A madeira estava molhada e rangia com os passos de Vekkardi. Na extremidade posterior da ponte havia uma cabana na qual sentinelas ficavam de prontidão.

Um deles, ao avistar a figura que atravessava a ponte avançou e parou para recebê-lo. Era um guarda que usava um grande capote de couro para proteger-se da chuva. Em suas mãos uma besta armada. – Olá estranho, de onde vem e quais são seus negócios na região.

– Sou apenas um viajante, deixe-me passar. – respondeu Vekkardi.

– Claro, se apresentar alguma carta, ou documentação.

Vekkardi aproximou-se e sorriu. – Vamos lá! Para que tanta rigidez? Sou apenas um viajante.

– Viajante? – disse o guarda desconfiado ao examinar a figura de Vekkardi com mais cuidado. – Mas é um viajante louco?

– Como assim?

– O que espera encontrar além deste marco? Não há nada além de terras infestadas pelos os malditos bestiais!

– Tudo bem. Irei procurar outro ponto de passagem. – disse e virou-se.

– Não! – disse o guarda elevando o tom de voz.

Vekkardi virou apenas o rosto para dar uma olhadela no guarda. – Como assim, não?

– Você é um sujeito suspeito. Pode ser um rebelde! Terá que conversar com meus superiores antes de ir.

Vekkardi deu com os ombros e voltou, aproximando-se do guarda.

– Não chegue perto! – advertiu o guarda.

Vekkardi pressionou os olhos e pensou rapidamente no atraso que aquilo poderia ser. No instante seguinte, sua perna direita atingia a besta desviando de seu alvo, a seta tardiamente disparada. O golpe seguinte foi contra a garganta do guarda que caiu no chão levando ambas as mãos no pescoço.

Imediatamente, o outro sentinela pôs-se a correr, partindo da cabana para acudir o companheiro. Vekkardi, muito ágil, saltou para desviar-se da seta disparada pelo segundo guarda. Pouco depois, alcançava-o. O guarda, assustado golpeou com a espada que desembainhara as pressas. Vekkardi apenas inclinou-se para evitar a lâmina. Em seguida, girou o braço do guarda até escutar um breve estalo. O guarda gritou. O sangue do guerreiro místico fervia e ele ofereceu ao guarda um pouco de sua ira contida. Logo, o local estava silencioso. Apenas o barulho da chuva. Atrás de si, Vekkardi deixou os guardas inconscientes e feridos. Em sua mente, enxergava Clefto e queria espancá-lo, assim como fizera com os sentinelas.

Dias depois, avançava pelo território dos bestiais. Seus suprimentos estavam escassos e sentia um pouco de fome e fraqueza. Os ares haviam mudado. Havia um forte cheiro de carniça na região. Acompanhava os movimentos de centenas de pássaros carniceiros alimentando-se de restos de carne. Atravessou um local no qual uma batalha fora travada há poucos dias. Examinando alguns corpos, identificou-os como bestiais. Imaginou o que estaria havendo naquela região.

Desde o alvorecer, sentia uma estranha força contatando sua aura. Havia algo que atraia seus pensamentos e que faziam-no avançar com maior avidez em direção a seu objetivo. Ao anoitecer, sentia seus músculos doendo bastante e percebeu que por algum motivo não fizera sequer uma pausa para descanso. Agora tinha certeza, havia alguma coisa estranha acontecendo. Mesmo assim, um instante depois, o cansaço e suas indagações pareciam sair do foco. Mal percebeu o fato de estar atravessando ruínas. Ruínas movimentadas. Diversas criaturas movendo-se daqui para ali. Carregando madeira e pedra nos ombros. Alguns acólitos do culto dos necromantes observavam a passagem do estranho que tinha olhos vidrados. Havia uma torre alta e sombria para a qual Vekkardi se dirigia. Sem perceber, havia atingido o ponto central de seu objetivo: a Necrópole.

Logo, seu destino estaria selado. Assim como seu coração havia sucumbido às trevas, todo seu ser a apenas um passo de abraçá-la.

Maré VermelhaWhere stories live. Discover now