CAPÍTULO 3

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– Mestre! Por favor, faça alguma coisa! – Dizia um homem transtornado, desesperado, em prantos. Era um jovem pálido de olhos castanhos escuros e longos cabelos negros. Usava uma barba levemente encaracolada rente ao rosto. Lagrimas escorriam de seus olhos perdendo-se em sua barba. Entrava em uma câmara cavernosa moldada para tornar-se habitável.

Dentro estava o silfo, bastante velho, a quem o homem respeitosamente se referia como mestre. Tinha cabelos brancos e anelados que desciam até a altura do queixo. Sua pele bastante enrugada formava padrões que carregavam certa beleza. Usava uma barba também branca e muito delicada. Chamava-se Modevarsh. A entrada da câmara era generosa de forma que a luz do dia penetrava em seu interior, refletindo no chão de pedra perfeitamente polida por meios mágicos. Móveis de pedra bem trabalhados e objetos de decoração simples completavam o ambiente.

– Escute criança. Você já sabe que eu não posso fazer nada por ele.

– Sim, mas ele sofre tanto! – disse o discípulo que era conhecido como Vekkardi.

– Eu sei que sofre, se pudesse já teria revertido sua situação.

– Rikkardi não merece sofrer assim. Você sabe que não mestre!

– Eu sei criança, mas não há nada que possamos fazer para recuperá-lo. disse Modevarsh com pesar.

– Mas também não podemos matá-lo, podemos mestre? Quero dizer, mesmo daquele jeito... Eu nunca poderia matar meu próprio irmão, minha única família!

O silfo ancião compreendia bem o sofrimento de Vekkardi e sentia algo parecido em relação a seu próprio irmão. De certa forma, compartilhavam o mesmo destino.

– O que nos resta é ter um pouco de esperança. Estes dias tem sido de grande sofrimento. Precisamos ter esperança de que ao menos algo de bom irá surgir de tudo isso.

– Entendo mestre. Vou me equilibrar. Sei que não posso confrontar nossos oponentes neste estado.

– Muito bem. Você precisa alcançar seu equilíbrio principalmente sem sofrer por antecipação. Tudo tem seu momento certo. – Fez uma pausa e analisou Vekkardi por alguns instantes. Arriscou: – Vai visitar seu irmão hoje, não é mesmo? É por isso que veio a mim, não é esta a verdade?

–Sim mestre.

– E você vai alimentá-lo?

– Sim, acredito que isso diminui o seu sofrimento.

– Talvez, mas talvez fosse bom se você parasse de visitá-lo, alimentando-o ou não sua condição não mudará.

– Vou tentar mestre.

Vekkardi ia saindo do quarto quando Modevarsh o chamou. – Vekkardi, leve também algumas flores.

Ao ver aquele jovem humano sair de sua nova casa Modevarsh sentiu uma ponta de impaciência. Procurou contorná-la com um pouco mais de trabalho. Virou-se para o fundo da caverna, ainda crua e evocou seus poderes mágicos. Em instantes estalos e outros fortes ruídos se sucederam. Começava a moldar outro cômodo. Este em especial, preparava com grande carinho. Esperava notícias de amigos que não via há muito tempo. Soube em sonho recente que estariam unidos em breve, e, quis acelerar essa união inevitável enviando o bom Radishi. O jovem Tisamirense dominava os fluxos do Jii, a energia que fluía de todo o cosmos relacionando-se com as mentes de seres inteligentes. Se tivesse a oportunidade e se os tempos fossem outros imaginava que seria fascinante estudar mais sobre este fluido e suas relações com o fluido manótico, emanação de toda matéria, viva ou inanimada através da qual eram operados os mistérios da magia. No passado, estivera em Tisamir e desenvolvera um pouco de sua percepção do Jii. Aprendera a lembrar-se de visões de outros tempos que era capaz de receber e interpretá-las. Mas o mana era energia com a qual possuía grande sintonia e através da qual podia criar uma diversidade incrível de efeitos mágicos. Através do Jii, podia realizar pouca coisa.

Um pouco ofegante observou sua própria mão tremendo um pouco. Isso não era um bom sinal. Tinha consciência das implicações daquele leve tremor. Não deveria, mas sentiu um pequeno aperto no coração.

– Pare de pensar em tolices! – disse para si. – Ainda há muito trabalho a ser feito!

***

Após uma revigorante caminhada em trilhas montanhosas, Vekkardi chegava a seu destino. De certa forma, arrependia-se de cada passo dado naquela direção. Quando escutou pela primeira vez um dos gritos desesperados de seu irmão mais jovem, seu coração disparou. Precisou parar e respirar fundo. Após alguns instantes e muita concentração, seguiu até a boca do poço onde ele e Modevarsh haviam aprisionado o pobre rapaz.

Não era um poço fundo e para garantir que não escapasse suas pernas foram acorrentadas ao chão. Vekkardi debruçou-se sobre a boca do poço, sentiu o cheiro de podridão que emanava dali e chamou apreensivo – Rikkardi. Rikkardi meu irmão.

O sol iluminava apenas uma porção do poço e Rikkardi não podia ser visto. Estava embrenhado nas sombras. Rikkardi gemeu horrívelmente e Vekkardi pode escutar correntes sendo arrastadas. Ficou impressionado com a velocidade da deteriorização do corpo de seu irmão. Dos seus longos e belos cabelos negros haviam sobrado apenas uns fiapos. Seu rosto estava muito pálido e magro. Algumas novas feridas haviam surgido, em especial uma acima da testa. Ele ergueu os braços tão magros que pareciam apenas ter pele e osso. Estendeu as mãos na direção de Vekkardi e com um olhar quase humano suplicou. – Co...comiiii...daaaa....

Um par de lágrimas escorreram no rosto de Vekkardi. Retirou dois coelhos despelados de uma sacola manchada de sangue e jogou para seu irmão. Seu irmão, agora um espécie de zumbi, pegou-os com uma agilidade impensável e passou a devorá-los avidamente. Vekkardi não suportou ver seu irmão naquela condição, mas sabia que pelo menos por alguns instantes ele não sofreria tanto. Deixou o local tentando controlar e eliminar todos aqueles pensamentos de ódio e vingança que surgiam em sua mente. Sabia muito bem onde o ódio e a vingança poderiam levá-lo. Precisava controlá-los. Precisava controlar todos aqueles terríveis impulsos. Lembrou-se de seu mestre. Imediatamente lembrou-se que não havia trazido flores para seu irmão. Passavam pelo início da primavera e não teria sido difícil colher algumas flores no caminho. Ficaria para uma outra ocasião, voltar lá seria muito doloroso, não valia a pena o esforço apenas para deixar algumas flores.

Olhou para o céu e imaginou onde estariam aqueles em quem depositava suas esperanças. Certamente teriam o mesmo céu sobre suas cabeças. Isso considerando que estivessem vivos. Tinham que estar! Tinham que cumprir sua missão. Tinham que encontrar o Oráculo de Shimitsu. Neste fato, Vekkardi depositava grande esperança, acreditava que um dia poderia trazer seu irmão de volta, descobrir uma maneira de reverter sua triste situação.

Uma coisa era certa: Vekkardi nunca foi o tipo de pessoa passiva. Em sua mente fervilhavam alternativas para lidar com a condição de seu irmão. Para que esperar por informações de um Oráculo Mítico? Encontraria outro meio! Forçar os necromantes a desfazer o que haviam feito? Seria possível? Por que não? A única coisa irreversível que conhecia era a morte. E este não era o caso de seu irmão, não estava morto, ao menos não de forma plena.

Logo o dia chegaria ao fim. O sol seria levado novamente. Era hora de meditar, acalmar sua mente, desejar um bom destino para Kyle e seus companheiros. Desejar que eles pudessem cumprir seu destino e assim ajudar a todos que sofriam por alí. Inclusive seu querido irmão que não saía de seus pensamentos por um momento sequer.

Maré VermelhaOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz