CAPÍTULO 56

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O que estava para acontecer, era uma estranha confluência de destinos na cidade de Liont, a bela capital cruzada pelo singular rio Aluviris. Havia um clima de festividade nas ruas. Muitos cidadãos estavam animados com a titulação de Lorde Calisto. Não eram poucos os que nutriam desafeto pelo antigo barão que pouco se preocupava com o povo e suas necessidades. Muito se comentava sobre o desprezo que tivera em relação aos pobres. Suas maiores preocupações eram quanto a intrigas na corte e reunir tesouro com diversos impostos e taxas que instituía, não avançando mais por que escutava seus conselheiros que sempre lhe advertiam quanto às revoltas populares.

O jovem Lorde Calisto ficou muito animado após sua primeira reunião com o conselho de coleta e do tesouro. Impressionado com a quantidade de recursos acumulados pelo velho Barão Ludwig, anunciou a extinção de duas taxas que julgou serem absurdas e a diminuição de outras tantas. Isso causou surpresa e certa revolta em alguns membros do conselho de coleta, mas logo, o futuro barão mostrou que possuía bons conhecimentos, talvez intuitivos, sobre economia. Explicou e deu projeções de como a produção e o comércio avançariam livres das duras amarras das altas taxas instituídas pelo barão.

Mesmo assim, nem todos ficaram felizes e Calisto pode colocar em prática um pouco de seu método secreto de bom governo. Leu os pensamentos superficiais dos membros do conselho. Marcou meia dúzia de indivíduos cujos pensamentos lhe pareciam muito discordantes e nocivos. Planejava destituí-los do cargo assim que recebesse o título de barão.

Mais tarde, separou um pouco de tempo para atender à visita de seu afilhado Armand DeFruss e de seu pai, o Alfaiate Jeero.

– Ah! Vejo que meu afilhado cresceu um pouco. – Calisto aproximou-se do menino que segurava uma caixa de papel nas mãos.

Jeero falou, – Fico feliz que suas medidas não tenham se alterado, Lorde Calisto!

– Ah sim, Jeero. Uma fala típica de um Alfaiate. Como estão os negócios em Situr?

Jeero sorriu animado. – Muito bem, meu senhor. A tecelagem já esta funcionando com os teares em pico.

– Isso é bom.

– Trouxemos um presente, não é Armand? Vamos filho, entregue o pacote a seu padrinho.

O menino deu um passo à frente e estendeu as mãos para entregar o pacote a Calisto. O jovem nobre agachou-se para apanhá-lo e abriu-o em seguida.

Jeero explicou, – É um traje de muito especial. Digno de um rei.

Era uma roupa discreta. Três peças. Uma fina camisa branca, calcas e túnicas negras, bordadas com detalhes em cinza escuro e cinza médio que só poderiam ser percebidos a uma curta distância. Havia uma pequena caixa de metal que Jeero segurava e que continha botões e acessórios feitos de ouro.

Calisto observou as vestes que eram de qualidade indiscutível sem dar mais importância a estas do que deveria.

Jeero voltou a falar. – São de seu agrado, meu senhor?

– Sim, são adequadas.

– Fico feliz que tenha apreciado. Fiz parte delas pessoalmente.

– Será somente isso, senhor DeFruss?

– Não tomarei mais seu tempo, nobre senhor. Apenas gostaria de lhe oferecer mais um favor.

– Pois diga.

– Com sua viagem, fiz questão de observar o andamento dos negócios em suas terras, ao sul. Não houve maiores alterações. Fiz também contatos com as três vilas dos seus domínios e amizade com alguns de seus servidores. Em especial, os de sua mansão. Antes de vir, tomei a liberdade de passar em sua propriedade e oferecer a alguns de seus criados, a oportunidade de vir até Liont, para acompanhá-lo e servi-lo durante sua titulação.

– Meus criados? Estão aqui em Liont?

– Alguns apenas.

– E onde estão?

– No aposento ao lado.

Calisto dirigiu-se ao aposento e observou os criados que ali estavam. Ficou feliz ao perceber que eram justamente os que ganhara como presente durante sua estada no Castelo de Lacoresh. Os criados se curvaram e Calisto cumprimentou-os com um aceno.

Voltando-se para Jeero disse, – Que bom senhor DeFruss que tem talentos que vão além da Alfaiataria.

– Fico satisfeito por poder auxiliar o padrinho de meu filho.

– Claro.

– Se me permite tomar um pouco mais de seu tempo...

– Sim, prossiga.

– Seria uma ótima oportunidade para construirmos uma tecelagem nestas bandas. Estou certo de que poderia trazer vantagens aos seus novos domínios.

– Falaremos sobre isto depois, por hora, há muitos arranjos a serem feitos antes da cerimônia.

Antes de saírem, Calisto encarou mais uma vez o olhar enigmático do jovem Armand. Imaginava se seu envolvimento com a criança traria bons frutos.

Mais tarde, a movimentação no castelo de Fannel aumentava. Os convidados chegavam e dezenas de criados lhes indicavam as acomodações adequadas. Esperava-se com certa ansiedade pelos representantes que seriam enviados pela família real. Era certo que o próprio rei Maurícius não viria e havia certa expectativa quanto à vinda do príncipe Lanark, Serin ou mesmo da princesa Hana.

Quando soube que já haviam chegado ao castelo o príncipe Serin, sua irmã Hana e ninguém menos que a Rainha Alena, Calisto sentiu-se enjoado. Um conflito de emoções tomava conta de si, algo que precisava ser racionalizado. Calisto era um jovem de grande força interior e de mente fria e cruel. Quase sempre ignorava, ou procurava dominar as emoções para atingir seus objetivos. Desenvolvera facilidade para lidar com sua ira, porém quando confrontado pelas figuras de Hana e Alena, não encontrara o equilíbrio necessário para controlar a situação.

Num primeiro momento dava vazão a pensamentos rancorosos, havia muito medo e muita raiva que não podiam ser bem direcionadas. “Malditas vacas! Podem colocar tudo a perder! Minhas conquistas não podem ruir por suas interferências. Por quê? Por que, a Rainha teve de vir? Sua paixão prematura por mim pode colocar em risco minha ascensão ao poder.”

Calisto observava o olhar amedrontado de sua criada que o ajudava com seus trajes. Era uma senhora de mente servil com a qual Calisto simpatizava. Para ela, a face de seu senhor não demonstrava quaisquer emoções, pois apesar de serem intensas, ele aprendera a mascará-las muito bem. Porém os reflexos de pensamentos racionais podiam ser notados. Sua sobrancelha esquerda ergueu-se e seus olhos negros procuraram o vazio escuro do teto de seus aposentos. O brilho obscurecido dos olhos, mostrava os sinais do seu gênio a elaborar questões complexas. Política, conhecimento sobre os desejos íntimos dos seres humanos, suas emoções e fraquezas. “Sim! O maldito Maurícius está manipulando-as. Ele deseja me eliminar assim como eu desejo eliminá-lo. Se eu fosse incriminado por traição... Devo ficar alerta quanto aos encantos da jovem rainha. Ao mesmo tempo, ela é justamente meu acesso fácil ao trono, preciso cuidar bem dela.” A criada sorriu por simpatia quando Calisto abriu um largo sorriso vendo diante de sua mente um elaborado plano surgir e solidificar-se. Para ela, um sorriso como aquele era acontecimento raro. Em sua mente simplória pensou que o senhor devia estar muito satisfeito pelo que viria. Afinal, logo seria um barão. Calisto captou os pensamentos simplórios da criada e sorriu com maior intensidade. De fato, era mais intensa a ironia daquela forma. “Já sei como lidar com a Rainha. Sei exatamente o que farei.”

Maré VermelhaWhere stories live. Discover now