Depois de sete horas de julgamento, o cansaço já era visível no semblante de
todos. Escutei o advogado de defesa fazer suas alegações finais, zombando de mim
por citar o amor, o que o contradisse, já que ele mesmo usara os sentimentos de
seu cliente para justificar o crime. Tive vontade de levantar e questioná-lo, mas não o fiz. Apenas aguardei em silêncio a decisão. E ela veio.
Veio como eu esperava e pelo que havia lutado. Nada mais que sua condenação seria permitido, e me senti vitorioso quando ouvi o juiz anunciá-la.

O condenado começou a chorar, sua família gritou indignada e eu apenas levantei e o encarei. Quem comete um crime deve saber que nunca estará sozinho. Mais cedo ou mais tarde, a vida ou a morte cobrará sua parte. E elas
podem ser cruéis.

Juntei todo o meu material e, antes de sair do fórum, fui abraçado por Beatriz. Praticamente uma menina, que me agradecia com fervor e lágrimas nos olhos. Tantos sonhos destruídos em apenas um olhar, que me fazia acreditar que o mal do mundo era o ser humano. Ao seu redor, familiares e amigos de
Vinícius se reuniam. Suas camisetas estampavam o rosto do jovem que euacabara de defender, mesmo que ele não estivesse mais aqui, mesmo que nada o trouxesse de volta. Mas pelo menos honramos a sua morte. Respeitamos o amor que um dia ele sentira.

- Dr. Jughead. - Beatriz me chamou, antes que eu chegasse à porta. Virei em sua direção e, em meio às lágrimas que escorriam por sua face, percebi um sorriso tímido despontar. - Obrigada por acreditar no amor.
Voltei para casa com uma sensação de dever cumprido, mas com algo martelando em minha mente.

Depois que saí do fórum e me desliguei completamente do caso em que trabalhara, os olhos da garota do restaurante
voltaram a me perturbar.
Não podia ser ela, seria muita coincidência. Tentei ignorar a voz que martelava em minha mente, mas o restante da
noite passou como um borrão, sem que eu conseguisse me concentrar em qualquer outra coisa. Fiz tudo no automático, o pensamento sempre voltando
àquela garota. Eu enlouqueceria se não descobrisse logo quem era ela.

Durante o banho, escutei o celular tocar e decidi não atender. Eu sabia que poderia ser a Sofie, e a verdade era que não estava preparado para falar com
ela. Não podia lidar com sua chegada quando mal dava conta dos pensamentos insistentes. Saí do banheiro enrolado na toalha e atravessava o quarto a passos largos quando finalmente cedi à voz que praticamente gritava comigo.

Só podia ser ela!
No dia em que peguei seu processo, senti raiva do mundo. Um canalha como seu ex-marido não poderia estar à solta na sociedade. Era doentio, asqueroso e desumano praticar algo semelhante ao que ele fizera. Meu estômago
embrulhava e todos os músculos do meu corpo enrijeciam ao lembrar de tudo o
que aquela pobre garota fora obrigada a passar. Uma menina de apenas vinte e três anos, que tivera seus sonhos visceralmente arrancados e destruídos pelas mãos daquele que um dia lhe jurara amor.

Ainda não tinha conversado com Elisabeth, não a encontrara. Isso aconteceria em breve, mas eu já estava impregnado de um sentimento de proteção em
relação àquela menina. Também tinha Maria Luiza, que transformava esse
desejo em praticamente obrigação. A filha de Elisabeth era a segunda vítima do
animal, que além de tudo era seu pai - se é que podíamos chamar um ser daquele de pai.

Como pode alguém praticar um ato tão violento com um ser tão indefeso? Queria entender, mas era humanamente impossível para mim. A garotinha apenas tentara proteger a mãe do monstro que lhe agredia.

Quando vi as fotos do processo, passei mal praticamente o dia todo, pois me lembrei dos meus sobrinhos; Antônio e Vitória. Acho que se alguém apenas
pensasse em fazer uma barbaridade daquela com qualquer um dos dois, eu não
responderia por mim.

Era o tipo de cara que evitava confusão, mas isso não seaplicava quando minha família e amigos estavam em perigo. Calma não podia
ser confundida com passividade. Se as pessoas que amava precisassem de mim,
eu estaria lá, nem que para isso tivesse que mover céu e terra.
Lembrando da garota no restaurante, cada detalhe das fotos que vira em seu
processo voltou à tona. A primeira imagem do inquérito mostrava uma menina
que estampava um sorriso meigo e olhos castanhos sonhadores. O cabelo preto estava mais curto, na altura dos ombros. Hoje, no almoço, eles estavam amarrados em um rabo de cavalo, deixando todo o rosto à mostra. Se eu tinha alguma dúvida de quem ela era, as cicatrizes ao longo do supercílio e no lábio superior confirmavam minhas suspeitas.

Na segunda foto, um olho mal se abria devido ao inchaço que havia tomado conta dele. A pele clara estava cheia de
hematomas e havia um longo corte acima da sobrancelha.
Recordei-me do pavor que tomou conta dos seus olhos assim que vi a imagem. Então amaldiçoei o responsável por aquela barbaridade, e
imediatamente fiz uma promessa silenciosa de que ela nunca mais teria que sentir medo. Me entregaria de cabeça àquele caso, e jamais conseguiria abandoná-las.

Tinha plena consciência de que não era certo me envolver
emocionalmente em um processo, mas era mais forte que eu. Estava pronto
para defender Elisabeth, e faria de tudo para que ela e sua filha voltassem a ser felizes.

Abri minha pasta e retirei o mandado de prisão que Fabrício me entregara pela manhã.
Indiciado: Dennis Pereira do Nascimento.
Vítimas: Elisabeth Cooper e Maria Luiza Cooper do Nascimento.
- Elisabeth, nome de princesa.
Minha voz ressoou no silêncio do apartamento, mas foi abafada pelas batidas que ecoavam do meu coração.

Muito além do AmorWhere stories live. Discover now