Tiro os sapatos, sentindo meus pés se aliviarem ao abandonar as sandálias perto da porta, e começo a caminhar pelo piso gelado conforme o cheiro de fumaça aumenta. Onde ela pode estar? Sinto meu estômago embrulhar ao pensar em chegar mais perto desse cheiro horrível.

— Já chegou?

Dou um pulo de susto, me virando para a cozinha. Minha mãe está empoleirada na janela, contemplando a vista lá fora ao segurar o maço de cigarro entre os dedos. Sei que o seu "já chegou" foi puramente sarcástico e, mesmo já estando acostumada com isso, não deixo de me sentir meio mal pelo tom frio de sua voz.

— Já. Não podia demorar muito mais depois daquela sua ligação estranha — eu respondo, do modo mais neutro que sou capaz, enquanto me aproximo dela. Tenho medo do que vem pela frente. — O que aconteceu?

Ellen Becker, porém, solta uma risada fria, ainda com os olhos lá fora.

— O que você acha? Apenas recebi uma ordem de uma visita indesejada. Te falei pelo telefone.

— Quando eles vão vir? — eu me apresso em perguntar, ignorando suas farpas.

— Amanhã cedo — responde ela secamente. Então apaga o cigarro e desce da janela, sem olhar para mim em nenhum momento ao pôr uma mexa de cabelo atrás da orelha e caminhar até o balcão da cozinha, pegando seu celular. Só então noto que seus olhos estão vermelhos.

Ela.. ela chorou? Ou será que é apenas o efeito de algum remédio?

Fico parada ali, de braços cruzados, desejando ir para o meu quarto imediatamente colocar um pijama quente.

— Da próxima vez que eu pedir para vir para casa, venha. — Ela continua falando daquela forma, como uma chefe dando uma ordem ríspida para um funcionário. — E pelo menos me conte se tiver se tornado uma adolescente como essas aí. — Percebo sua fúria apenas pelo modo como minha mãe clica com força na tela do celular, a unha grande fazendo um barulhinho desagradável contra o vidro.

— Essas aí? — eu indago timidamente, sem deixar faltar a confusão e oposição que senti com sua fala.

Vejo tarde demais que falei a coisa errada, pois, no mesmo instante, ela despeja o celular com força no balcão e se vira para mim, colocando uma mão na cintura.

— É, Lara, essas aí. Essas adolescentes sem-vergonha que não fazem nada na escola além de vadiar. Essas adolescentes que aparecem grávidas da noite pro dia após mais uma festa irresponsável. Que ignoram a ligação dos pais e preferem encher a cara e se esfregar num adolescente qualquer ao invés de ir para casa. Essas adolescentes, Lara. Conhece alguma?

Ela mantém aquela porcaria de classe ao despejar essas besteiras na minha cara, me encarando com a testa arqueada como se tivesse dado o maior discurso do século. E eu só consigo encará-la, completamente abismada com as coisas que ela tem coragem de me dizer. É engraçado, até, o seu dom de manipulação, a forma como ela me olha tão intensamente que me faz querer me fechar num casulo de vergonha pelas minhas ações.

Eu passei dois anos sem sair de casa. Vendo-a jogar indiretas para cima de mim de que sou uma adolescente patética que nunca sai. E agora que eu fui para uma única festa, ela vem com o perfeito discurso de que sou uma irresponsável que não se importa com a mãe. De que sou uma péssima adolescente. Um exemplo terrível para sei lá o quê.

Meu Deus.

Ela sempre foi assim, ou será que está piorando a cada dia?

— Bom, mãe, eu espero que você tenha marcado uma consulta com a terapeuta pra mim — eu digo, enfim, no tom de voz mais baixo e calmo que sou capaz de fazer. — Porque, sinceramente, eu acho que você também deveria ir. Está precisando de muito mais ajuda psicológica do que eu.

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